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Título: O gosto de quero mais *
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 03/06/2011
 

Eram dois – e imaginavam-se um.

Viviam aquele exato momento em que se dá e faz o amor.

Sabem qual, né?

O brilho no olho. A vontade de não largar-se.

O gosto de quero mais e mais e mais.

Quem os via logo entendia a situação – e, via de regra, os invejava.

Outros preferiam nem acreditar.

Até porque o moço quase senhor ostentava grossa aliança doirada na mão esquerda.

E ela – puxa vida! Ninguém nunca prestara atenção nos encantos da secretária da
diretoria, sempre envolta em afazeres, agendas e memorandos.

Lidinha, uma corruptela de Ludmila, assim a chamavam. Até com certo distanciamento.

Até que chegou o novo diretor, não tão novo assim, como disse acima, de nome cerimonioso, Luiz Alfonso. Mas, de finíssima estampa.

Dia vai, noite vem, com alguns serões de entremeios.

E eis que o expediente se amplia para jantares e passeios, onde não só se limava a pauta da empresa como os dois encantaram-se.

Lidinha soltou os cabelos, ajeitou o guarda-roupa e deu uma arejada no visual.

Nem a armação dos óculos escapou...

Lidinha, desde logo, entendeu o enrosco em que entrara. Mas, o fazia de bom grado. Também se apaixonara. Nem por isso deixava de curtir suas dores de amor – especialmente nos fins-de-semana. Ou quando alguma crise familiar de
Alfonso o tirava por alguns dias da firma.

Aí, sim, ela sentia os olhares de repreensão e, sejamos sinceros, a inveja dos mal amados.

Nessas horas ela segurava o choro – e se impunha pela altivez.

Lembrava a frase que sempre ouvia nas horas aquelas.

Luiz Alfonso era sincero, algo cafa, mas sincero:

-- Lidinha, te amo. Vamos viver a vida momento a momento, um passo de cada vez...
II.
A vida se renova a cada manhã.

Lidinha ouvira, quando criança, a frase da boca de uma tia, a quem chamavam de “solteirona”.

Deu então de imaginar que a tia - muito bonita, por sinal – não devia ser tão só quanto todos pensavam.

Pensando bem. Era visível que ela alternava fases de alegrias plenas com outras de cavas tristezas.

Muito provável que vivesse uma situação semelhante à dela hoje.

Veio claro em sua mente o dia em que a tia e ela conversavam em um fim de tarde.

Olhavam a linha do horizonte – e deixavam-se apenas estar, juntas, mas fustigando, cada qual, mistérios próprios e insondáveis.

Entre um suspiro e outro, ela deixou escapar o lamento:

-- Sabe, Lidinha, viva o que tiver que viver. Porque quando a gente se dá conta a vida já se foi.

É, é bem provável que a tia escondera, de tudo e de todos um grande amor impossível.

Tal e qual o que ela vive hoje.

A frase de Luiz Alfonso e a frase da tia tinham muito em comum.

- Vamos viver a vida momento a momento, um passo de cada vez...

Tudo a ver.

Só foram ditas em diferentes fases da vida.

Na voz da tia, recordou, havia um tom de melancolia de quem já vivera o melhor da festa.

Luiz Alfonso preconizava que tudo tem um tempo certo.

Era um jeito de dizer para que ela não lhe cobrasse nada.

Vivesse o momento.

Esperasse...

... como a tia um dia esperou – em vão!

Lidinha encerrou o expediente com a certeza absoluta de que teria o mesmo fim.

Um dia a paixão não seria mais tão intensa, tão viva.

E ela então se veria só, infinitamente só.

Em meio a esses pensamentos, nem se deu conta do caminho da volta.

Resignada, abriu a porta do apartamento e deu de cara Luiz Alfonso (ela lhe dera uma cópia).

Estava ansioso – e disse que tinha algo para lhe dizer.

Não podia esperar nem mais um segundo.

Lidinha entendeu que a hora era aquela.

Preparou-se para o baque:

Trêmula, disse com um fio de voz:

-- Pois, fale...

E o moço quase senhor não se fez de rogado:

-- Minhas malas estão no carro. Vim para ficar. Acabo de me separar.

-- Hein! Como assim? Separar... Ficar...

Lidinha apatetou-se de felicidade. Mesmo assim – e como só e acontecer com as mulheres que sabem amar e ser amadas – resolveu provocá-lo:

-- Ué, mas você não disse que era para andarmos um passo de cada vez?

Ele também não titubeou.

Abriu os braços para aconchegá-la em um grandioso abraço, e se fez categórico:

-- Tem razão. Dizer eu disse. Mas, há situações na vida em que se não andarmos rápido, de três em três, perdemos o momento e nunca seremos. Felicidade não se adia...

Eram dois - e assim definitivamente se fizeram um.

 
 
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