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Título: Dois dos nossos...
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 18/11/2006
 

Diguinho e Escova, dois dos nossos diletos, estavam ali a chorar o leite derramado. Choravam também uma baita ironia do destino...

Aquele boteco onde o Sacomã torce o rabo, no cruzamento da rua Bom Pastor com a rua Greenfeld, em frente a agência dos Correios, era nosso ponto de encontro.

Acontecesse o que acontecesse. Sol ou chuva, alegria ou tristeza. Passávamos lá todos os dias para bater o ponto e principalmente ouvir o guru Nasci filosofar, a bordo do seu indefectível cachimbo, enquanto os ônibus Fábrica-Pinheiros abriam o bico na curva para não atropelar incautos e mulambentos.

Todo uma marginália tosca e inofensiva vivia por ali a dar cor, histórias e folclore ao lugar e a nós, discípulos fiéis e amigos do mais famoso de seus convivas. Claro que estou falando do Nasci...

II.

Mas, como dizia, Diguinho e Escova choravam, a bem da verdade, a perda do que consideravam "o grande amor da minha (deles) vida".

Cada um, cada um - vale a pena ressaltar. Mas, ambos tanto fizeram, tanto abusaram da regra três, tanto chamaram Jesus de Genésio de trêbados que viviam, que um dia aconteceu. As disitintas e mui amadas noivas esgotaram toda a cota de paciência e deram um chega pra lá nos dois.

Algumas semanas de diferença, mas o fato é que um depois do outro aportaram por ali pedindo arrego, apatetados e avulsos.

No princípio, é bom que se diga, fingiram ignorar o solene pontapé no traseiro que bem receberam. Diziam-se livres e cousa e lousa e mariposa, sempre regadas a cerveja e uns goles de staineger para rebater.

III.

A coisa encrespou aos poucos. Mas, curioso, sempre em dupla. Tivemos notícias que as moças haviam arranjado namorados - moços sérios, trabalhadores, desses que dão sentido à vida e não perdem tempo em conversa fiada e más companhias. Parecia coisa feita por alguma mãe de santo, protetora das moças casadoiras.

Não os abandonamos. Demos toda força para os rapazes que ensaiavam um chororô. Mas, cuidamos, a mando do Nasci, de não esticar a corda com as nossas digníssimas. Cautela e caldo de galinha, ó....

-- A bruxa está solta - profetizou.

IV.

E estava mesmo. À boca pequena, começou a circular a notícia que Deolinda, a ex do Escova, havia marcado a data do casamento. Evitamos comentar na frente do amigo, mas fizemos lá as nossas patacoadas.

-- O Escova, você vai jogar domingo?

-- Onde é?

-- É no União Mútua. Pode ir tranqüilo, é futebol de campo.

-- Beleza...

-- Se fosse futebol de salão em ginásio coberto, a gente não lhe chamaria...

-- Ué, por quê?

-- Os chifres, companheiro. Os chifres iriam enroscar no teto...

Amigos, amigos, piadas à parte...

V.

Outra notícia triste Questões de dias mesmo, soubemos que Belinha, a ex do Diguinho, babau... Também estava de data marcada para o casório. E aí o Sr. Destino resolveu "zuar" - como diz meu sobrinho-neto Renatinho. As duas casariam em igrejas diferentes, mas na mesma data. Lembro bem o dia e a cara dos amigos: 15 de setembro...

E agora, há dois dias do casório, estavam ali os dois, insuportavelmente bêbados e chorosos...

Era uma quinta-feira abrasada (gostaram?). Fizera um baita sol o dia todo e a noite estava estalando de boa para o pessoal derrubar todas. Mas, aqueles dois malajambrados, ali, num canto da mesa, a se debulhar em lágrimas, cortavam o barato de todos.

Ou quase todos...

VI.

Nasci resolveu dar um fim naquilo. Para ele, não havia sentido nenhum.

-- Escova, velho. Diguinho, você é quase um filho pra mim. Vamos acertar os ponteiros pra não perder a hora, o bonde e a esperança. Por que vocês estão chorando?

Fez-se um silêncio sepulcral no boteco e adjacências. Creio mesmo que nem os ônibus ousaram estrebuchar na curva. Passavam de fininho, na ponta dos pneus...

-- Ô Nasci!!! - responderam em coro, com exclamação e tudo.

-- A Deolinda... - a voz do Escova mal se ouvia entrecortada pelos soluços.

-- A Belinha, as duas... vão casar sábado, entende? - disse Diguinho, socorrendo o amigo de infortúnio, num rasgo de dor.

-- E daí?

Às vezes, o Nasci parecia não ter coração.

-- Pô, Nasci... - era Diguinho, o quase filho, que insistia, tipo respeitem a minha tristeza.

-- Pô, Nasci, o caramba. Caras, acordem... Sábado, as princesas e os príncipes só vão assinar o papel. O que tinha de acontecer, meus considerados, desculpem a franqueza, mas já aconteceu. E vou dizer o óbvio dos óbvios: não doeu nada em vocês e elas, pelo jeito e de todos os jeitos, gostaram...

VII.

E foi assim que, nesta triste noite divertida, rimos a valer, bebemos outro tanto - inclusive os dois notáveis - e o Sacomã escapou de se transformar num vale de lágrimas...

Um reparo.
Eu os acompanhava diariamente, mas bebendo coca light...
É minha sina.

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

 
 
COMENTÁRIOS | cadastrar comentário |
 
Autor: Julyana Voltareli Rosa Data: 19/11/2006
Coca - light?
Não toma nem coca normal é?
Sei não...esquisito isso...
Duvido...
 
 
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