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Título: Recorte de jornal
Autor: Rodolfo C. Martino - publicado em 08/02/2007
 

Desde a semana passada, um recorte de jornal está a me provocar – e pedir publicação. Os tons sépia da cópia e a ilustração da velha máquina de escrever sugerem um passado bonito, bom de recordar. Já o arrazoado de letrinhas finge não estar nem aí. Mas, traz em si uma ameaça:

-- Cuida que posso desaparecer de novo – e aí?

Vou lhes contar. Trata-se de uma coluna Caro Leitor que escrevi em 23 de janeiro de 1981, um texto que me é caro, pois fala da escola onde estudei, dos tempos de criança e das comemorações do IV Centenário de São Paulo.

Quando escolhi os textos para a coletânea de crônicas que lancei em 1997 – Às Margens Plácidas do Ipiranga, meu primeiro e até agora único livro --, queria por que queria incluir esse artigo. Mas, por uma dessas ‘brincadeiras’ do acaso, não consegui encontrá-lo e, olhem, tinha à minha disposição o arquivo inteiro do jornal.

Maluquice, né? Mas, foi exatamente o que aconteceu.

Publiquei o livro e esqueci do artigo. Os anos se passaram – tantos, quantos. Mudei eu, mudou você, mudou São Paulo. Mas, na essência, continuamos os mesmos. É assim e sempre será...

Devaneios à parte, eis que, em meio à correspondência de janeiro, me aparece um envelope desses comuns, sem remetente. Não lhe dou nenhuma atenção. Havia chegado de viagem – uma muvuca só de jornais, revistas e cartas – muitas, quase todas comerciais. O ‘bolo’ de contas a pagar me cobrou atenção imediata – mesmo que, posteriormente, retardasse a ação do pagamento. Mas, isso é outra história...

E o envelope ali! Quase, quase o chuto para o lixo sem sequer abri-lo. Imaginei uma dessas ‘correntes da felicidade’ e...

Bem, vamos encurtar essa história. Noite dessas abri o dito-cujo e lá estava o Caro Leitor. Brincadeiras do acaso ou alguma boa alma – provavelmente, leitor do blog – que soube do meu interesse em resgatar velhas publicações.

Não sei – e não saberei. De qualquer forma, agradeço penhoradamente.

Fiquei tentado a esperar pelo 25 de janeiro de 2008 para publicá-lo; aniversário da cidade e tal e cousa e lousa e mariposa. Dava pinta até de um sujeito organizado a planejar o blog com um ano de antecedência. Estava preste a dar parabéns a mim mesmo. Mas, deu um vento e o tal voou para os confins da estante, como a dizer:

-- Cuida que posso desaparecer de novo – e aí?

Aí, que resolvi publicá-lo hoje mesmo.

Dizem que recordar é viver.

Então...

Tomara que gostem!


CARO LEITOR,


“Surpreende-me a notícia de que o velho casarão da Bom Pastor que, durante longos anos, foi sede do Colégio IV Centenário está sendo demolido “a toque-de-caixa”. Caminho quarteirão e meio e constato a veracidade da informação. Uma dezena de homens num trabalho contínuo põe abaixo as paredes do tradicional estabelecimento de ensino.

Não entendo minha surpresa. Há alguns anos o IV Centenário deixou de funcionar, “tornou-se inviável”. E mesmo que discretamente o casarão, desabitado faz um bom tempo, ostentava a indefectível placa de “Vende-se”.

Indiferentes às minhas observações, os trabalhadores seguem empenhados em não deixar pedra sobre pedra. Assalta-me uma estranha sensação de desconforto, de vazio. Volto à Redação a remoer as razões de tais sentimentos.

Puxo pela memória. Mexo e remexo. Recordo-me que outras perdas já me passaram a mesma amarga impressão. Assim como o velho casarão, o cine Paroquial, o bonde Fábrica, o futebol do Clube Atlético Ypiranga, a praça de esportes do Sinclair, a avenida Dom Pedro como um boulevard estritamente residencial – todos esses são hoje apenas reminiscências. Transformaram-se em símbolos de um tempo que ficou para trás.

Um tempo em que as pessoas ainda acreditavam transformar São Paulo numa grande metrópole. Mas, entendiam que esse desenvolvimento estaria diretamente ligado à conquista de uma vida melhor. Para todos os paulistanos.


Volto para a Redação e tomo contato com a programação oficial de aniversário da cidade, minuciosamente preparada pela Secretaria Municipal de Cultura. Durante toda a semana teremos shows, passeios, exposições e inaugurações.

Certamente induzido pelas cenas que acabo de ver, penso logo na São Paulo semi-provinciano de 1954, justamente quando reverenciou festivamente o IV* Centenário. Não lembro bem se, por aquela época, já havia o slogan “a cidade que mais cresce no mundo”. Talvez sim. Mas, estou certo de que no fundo, no fundo, seus poucos milhões de habitantes mostravam-se determinados a igualar São Paulo às maiores cidades do planeta. Estavam determinados ao progresso, ao que modernamente passou se a chamar desenvolvimento.

Lembro que, na noite de 25 de janeiro de 1954, uma ‘chuva’ de finas lâminas prateadas – fenômeno, diga-se, forjado com o inestimável auxílio de alguns teco-tecos – inundou a cidade. As lâminas tinham forma triangular e, se não me engano, aproximadamente 15 centímetros de comprimento. Caíam do céu para curiosidade dos adultos e festa da garotada – decidida a recolher o maior número delas. Traziam, além dos dizeres alusivos à data, o imponente escudo da cidade.

Não sei se meus olhos de criança impressionaram-se demais com a promoção. Mas, não tenho dúvidas ser esta a lembrança mais agradável que tenho dos aniversários de São Paulo. Algo que permanece inesquecível pela singela, pelo extraordinário.

“Os tempos eram outros”, há de intervir o amigo leitor. E com razão. São Paulo apenas sonhava ser o que hoje é. Ou melhor: de lá para cá, a cidade cresceu, como se propôs. Mais e mais. Chegou mesmo ao nível das metrópoles mundiais. Não contava, entretanto, com as deformidades inerentes a tamanho e tão rápido desenvolvimento. Nem com a incúria dos administradores que, não raras vezes, puseram a perder o trabalho e os ideais de toda uma comunidade.”

 
 
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