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O imbatível time Sem Nome
29/05/2009
 

Dei bobeira.

Levaram o meu Tissot de estimação.

Eu, que vida afora nunca acertei meus ponteiros, fiquei desconsolado.

Restou a lembrança da frase do Seo Júlio, o relojoeiro do Largo do Cambuci:

-- O homem é o seu relógio.

II.

Como a partir desta constação descobri que nada sou, resolvi voltar aos tempos de garoto.

Lembro que íamos visitar Seo Júlio quase todas as semanas.

O bom homem gostava de contar histórias que fingíamos acreditar.

Dizia ser um dos rapazes que, lá no mais antigo dos anos, fundou o Sport Club Corinthians Paulista sob a luz de um lampião na esquina de uma rua no Bom Retiro.

Ficávamos cinicamente admirados.

Queríamos mesmo ganhar os celulóides de antigas tampas dos relógios que consertava com destreza e precisão.

Pelo milagre da nossa imaginação infantil, esses artefatos se transformavam em poderosos craques de futebol de botão; hoje esporte oficial chamado de futebol de mesa.

III.

Pensando bem, dávamos total razão ao Seo Júlio:

“O home é o seu relógio.”

E completávamos:

“Todo garoto é o seu time de botão.”

IV.

Não preciso dizer, mas digo:

O meu escrete da bola (ou melhor, do milho; sim um grão de milho substituía a redonda) era uma mistureba das “academias” palmeirenses: Valdir, Djalma Santos, Djalma Dias, Aldemar e Vicente Arenari, Dudu e Ademir da Guia, Julinho, Servílio, César e Tupãzinho.

V.

Na placa de Eucatex pintada toscamente, onde jogávamos, os meus boleiros não iam além do razoável. No campeonato da rua Muniz de Souza, sempre fiquei entre o terceiro e o quarto lugar.

Via de regra, o São Paulo do Betão era o campeão.

Mas, imbatível mesmo era o time Sem Nome do grandalhão Raul.

VI.

Raul era mais velho que nós. Um rapagão que já trabalhava em banco, andava de gravata e não tinha tempo para essas ociosidades. Óbvio não participava dos nossos torneios, mas vez ou outra fazia, digamos, alguns jogos exibição.

Seu time era um deslumbre.

Uma espécie de Barcelona dos dias atuais.

VII.

Tinha um diferencial.

Eram botões que ele próprio fabricava.

Um luxo.

Raul pegava velhos brinquedos de plástico e os deixava em caquinhos. Depois, juntava esse farelo dentro de uma forma de fazer empadinhas e levava ao fogo brando.

Ficavam coloridos, ágeis e encobriam o goleiro (uma singela caixa de fósforos encapada com papel colorido, com chumbo dentro), a um leve toque da "tica", com a maior facilidade.

VIII.

Muitos – eu, inclusive – tentaram imitar a alquimia de Raul.

Em vão.

O máximo que conseguíamos era uma bronca da mãe da gente e um horrível cheiro de queimado que se espalhava por toda a casa.

IX.

Então, meus caros, como veem, foi só eu ficar sem o relógio para cair, de paraquedas, no túnel do tempo, dos sonhos e das lembranças...

FOTO no Blog: Caio Kenji

 
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