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Nunca imaginou que, um dia, lhe diria o que acabara de dizer.
Curta, e objetiva na introdução [que, diga-se, não permitia dúvidas sobre o que viria depois]:
-- Eu não confio mais na gente!
Como todo homem que se julga vivido e cousa e lousa, ele fingiu não ouvir.
Tentou mudar de assunto.
-- Então, almoçamos? Escolhe o restaurante?
Ela o conhecia o suficiente para não cair naquela esparrela.
-- Eu não acredito mais na gente.
Repetiu em tom determinado, de quem havia pensado e repensado a situação.
Não lhe interessava o passado, nem o futuro. Queria dar um fim àquele amor acabado, esgarçado por promessas e desilusões. Não poderia precisar quando tomou consciência do que estava ocorrendo. Mas, era fato. Acabar com aquela indecisão virou objetivo de vida.
Queria viver o presente. Só isso... Seria pedir muito?
Ele continuou em silêncio. Que era arma e escudo, naquele momento. No íntimo, porém, admirava-se. Era verdade absoluta o que acabara de ouvir. Já não eram mais os mesmos. Não se divertiam como nos primeiros tempos. Em boa parte por culpa própria, reconhecia.
Até já se esquecera de como é a espontaneidade de um sorriso.
Pudera, tantas e tantas a resolver...
Vacilão.
Respirou fundo.
Encarou friamente a doce beleza da moça.
Ela desandara a falar sobre coisas que ele não gostaria de estar ouvindo. E falava num tom absolutamente sério, convicto.
Tentou contra-argumentar e invocar o quanto foram felizes, os momentos únicos que viveram, o quanto ainda era plena a entrega.
Não recebeu qualquer resposta favorável, qualquer reação.
Outro suspiro.
Passou a considerar a hipótese de que estava mesmo tudo acabado. Mesmo assim jogou os últimos trunfos. Disse tudo o que um homem pode dizer à mulher amada -- e foi embora.
O truque já dera certo em outras ocasiões.
Entrou no carro sozinho.
Esperou alguns minutos antes de dar a partida naquela trapitonga que lhe trouxera de tão longe. Olhos arregalados, coração batia rápido, descompassado.
Silêncio absoluto. Nem sombra dela.
Girou a chave na ignição. Pisou no acelerador e lentamente foi deixando para trás os sonhos e a frustração de ter cavado o próprio destino. Ser só.
** Foto: Jô Rabelo |