Enquanto o Pedrăo se esmerava em aparar as sobras da minha singela barba, todos no salăo ouvíamos as estrepolias que acontecia ali, ao redor, naquele mesmo quarteirăo de um pacato bairro de Săo Bernardo do Campo.
Era a inauguraçăo de uma loja de colchőes e o feliz proprietário, para chamar a atençăo e cativar a nova clientela, teve a feliz ideia de chamar um grupo de felizardos palhaços. Vieram para animar a festya e os possíveis negócios.
O pessoal do salăo năo entendeu bem assim.
Alguns clientes chegaram inclusive a consolar os profissionais da tesoura pelo ‘belo’ dia que os esperava. Năo havia qualquer dúvida. Até o fim do expediente, no cair da tarde, eles teriam que conviver com ‘ilarięs’ e ‘patati patata’ que tocava o sistema de som no último volume. Vez ou outra, um dos tantos Reis do Riso empunhava o microfone para convidar os passantes a conhecerem as “irresistíveis ofertas” do novo estabelecimento. Năo perdiam a oportunidade para fazer ‘piadinhas’ com quem passava.
“Năo vai ser fácil”, reconheceu Pedrăo, já nos finalmentes no trato da minha penugem. “Mas, tomara que Deus ajude, e o negócio prospere. Por aqui, as lojas estăo fechando”.
-- Todo mundo precisa trabalhar. A vida anda muito competitiva, meus caros.
Estava resignado em nome da sociedade. Do bem comum...
Que beleza, esse Pedrăo! Generoso que só...
II.
Saí do salăo “novo de novo”, como eles dizem ali, eufemisticamente, para anunciar que o serviço terminou e o cliente que trate de levantar da cadeira e se dirigir ao caixa para pagar.
Pensava no senso de fraternidade do Pedrăo. Năo se incomodava com o barulho, com a balbúrdia. Queria o bem de alguém que sequer sabia o nome.
Todos deveriam ser assim, pensei.
III.
Mal dei alguns passos a mais e me descobri no meio da roda de palhaços. Que dançavam, rebolavam, cantavam, ofereciam balas e doces e, percebi em seguida, mexiam com todos (ou quase todos) que ousavam passar por aquele pedaço de calçada.
A loja do incauto senhor continuava vazia, mas isto era indiferente para a turba. Foram (ou seriam) pagos para fazer palhaçadas, entăo é o que faziam. Năo importava o resultado final.
Ŕquela altura, eles mais espantavam do que atraíam a clientela.
IV.
“Papai Noel, vocę por aqui? Que surpresa!”
Percebi que o pseudo gracejo ao microfone era comigo, justo comigo. E com minha reles barba grisalha, recentemente aparada pelo generoso e bem educado Pedrăo.
Relevei.
Mas, o pseudo fazedor de graça năo se deu por satisfeito. Veio se interpor aos meus passos. Microfone em punho. Estava se achando.
“Papai Noel! Olhem quem está aqui amigos! Papai Noel.”
V.
Fiquei puto.
Nunca vi a figura na vida. Năo lhe dei qualquer liberdade. Năo sou da sua turma – e năo estava para festas. (Ainda ontem escrevi sobre a falta de respeito que grassa, avilta e idiotiza a sociedade como um todo e as pessoas individualmente).
Ademais, ele năo estava em um picadeiro. A rua é lugar público, onde mais do que qualquer outro lugar vale o dito: respeite para ser respeitado.
VI.
1... 2... 3...
Preferi contar até dez.
Năo deu.
O rapaz năo se mancava:
“Papai Noel! Por onde vocę andou? Quanto tempo năo lhe vejo...”
VII.
Tem hora que só um sonoro palavrăo resolve – ou complica de vez.
Estava pronto a soltá-lo. Mas pensei na generosidade do Pedrăo, que sou um senhor maior de 60, jornalista, professor e cousa e lousa e maripo(u)as.
Preferi contemporizar.
“Pois é”, respondi em tom cordial.”Pois é... Faz tempo mesmo que năo vou ŕ sua casa, visitar a sua senhora măezinha. Mas, pode avisá-la que qualquer hora eu apareço.”
E o palhaço justificou sua vocaçăo – e me respondeu, no ato:
- Papaaaaai!!! |