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Um aventureiro de araque
19/07/2014
 

- Desconfio que fiz tudo errado na vida.

Estávamos ali na improvisada copa, ao fundo do corredor da empresa, para um café restaurador e uns minutinhos de descuido. Quando o Diogo interrompe o silęncio com a espontaneidade do desabafo.

Manhă preguicenta de sexta-feira, proximidade do fim de semana; antes, porém, o arrastar do expediente com as tarefas.

“O que deu no homem” – pensei, mas me fiz de rogado. Ele que se explicasse, se assim bem entendesse.

- Vontade de cair no mundo, continuou.

Eu sorri como a lhe dizer: ‘os tempos săo outros, camarada’.

(Tăo outros que nem se ouve mais a palavra ‘camarada’).

Acho que me entendeu – ou ficou perto disso, pois foi logo se explicando:

- A vida năo se resume ŕ fila no guichę do banco para saldar nossas dividas diária.

Achei a imagem boa, algo anos 70, mas exemplar, creio, para que o caro colega de repartiçăo estava sentindo.

- Sem aventura, a gente năo vive, vegeta.

O homem estava mesmo entediado, mas o que podia eu fazer. Năo lhe era tăo próximo assim. Entendi que estava entediado, mas o máximo o que consegui foi um “deixa disso, rapaz”.

Foi o suficiente para ele lembrar o tempo (ano e meio) que morou em Arraial D’Ajuda, na Bahia, perto de Porto Seguro. Morava perto da igrejinha, vivia de bicos como guia de turistas, năo lhe faltavam alguns trocados para tocar a vida ‘de boa’ e se divertir com as cançőes que vinham dos bares e becos.

- Cara, eu era dono do meu tempo, senhor das minhas vontades, livre. Sabe como é?

Pronto.

Sobrou pra mim.

Um meneio de cabeça foi a minha resposta. Nem sim, nem năo.

Achei de bom tom lhe oferecer outra xícara de café.

Mas, ele rejeitou. Talvez o Diogo se imaginasse numa mesa qualquer de boteco, no happy hour. Logo engatou outra dos idos em que se julgava feliz.

- Houve um tempo em que trabalhei como balconista em uma loja de disco, só para ouvir música o dia todo e conversar com as pessoas. Sabia que as pessoas mudam de astral quando entram numa loja para comprar um CD, um DVD?

Năo fazia e năo faço a menor ideia.

Nunca havia pensado nisso.

“Deve ser legal mesmo” – disse quase sem pensar no que dizia. Antes que o

Diogo desfiasse o tempo que fez ‘mochilăo’ na Europa, tomei coragem e perguntei:

“Cara, corre atrás. Só se vive uma vez. Por que vocę năo larga tudo e se propőe outra aventura? Dizem que Puerto Escondido, no México, é uma cidade lindíssima, com um pessoal descolado, mar, sol...”

Diogo arregalou os olhos. Fez cara de sonhador, e sacramentou:

-- Valeu, cara, valeu! Que ideia! Assim que acabar de pagar o meu BMW vou pensar na possibilidade. Agora vamos voltar para o trampo. Valeu mesmo!

 
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