“Onde anda meu amor?”
O homem andava cambaleante pela rua. Tinha os passos trôpegos de quem bebeu além da conta. Parecia năo estar nesse planeta. Quem passava ao seu redor abria espaço para que ele seguisse. Evitavam o encontrăo constrangedor e inoportuno.
A aparęncia era de um cidadăo normal que momentaneamente escapava ŕ pacata rotina de sua vida.
“Onde anda o meu amor?” – resmungava ao léu.
E caminhava sem rumo definido.
O prumo de sua vida estava visivelmente abalroado.
Năo precisava ser especialista nas coisas do coraçăo para saber o real motivo.
II.
Estávamos no Spazio Pirandello para lançamento do livro “Memórias da Telenovela Brasileira”, do saudoso amigo Ismael Fernandes.
Foi no mais antigo dos anos – tempos da campanha das Diretas.
O Baixo Augusta fervia.
A fauna de freqüentadores, a mais diversificada.
Jornalistas, como nós, era apenas um dos tipos folclóricos do lugar.
Estávamos reunidos, próximos a um dos grandes janelőes do casario dos primórdios paulistanos.
Năo lembro exatamente quem nos alertou para o desconhecido Pierrot que trafegava na calçada em frente.
Ia e voltava naqueles arredores.
O lamento era sempre o mesmo, e continuava sem resposta:
“Onde anda o meu amor?”
III.
Reflito, tanto tempo depois, sobre a nossa reaçăo.
Nós, homens barbados, vida profissional e pessoal intactas, donos de verdades absolutas sobre isso, aquilo e aquil’outro.
A curiosidade nos aproximou das janelas.
A princípio, rimos da cena.
Um ou outro esboçou as piadas tradicionais dessas situaçőes.
Alguém se apiedou do sofrimento do rapaz.
Outro alertou:
- Podia ser um de nós...
IV.
Foi entăo que o Nasci, sempre o Nasci, decidiu agir.
Partiu para a rua, falou com o desconhecido e o convidou para beber com a gente.
Dispensamos as apresentaçőes.
No instante seguinte, era um dos nossos e brindávamos.
“Um viva ŕs mulheres. As que se foram. E as que estăo por vir. Bem-vindas sejam!”
O homem sorriu, sem jeito.
Mas, acreditem, năo mudou o bordăo:
“Onde anda o meu amor?” |