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Meus textos preferidos 6

Prometi ontem a vocês que lhes daria hoje uma história inspirada. Promessa é promessa e trato de cumpri-la. Só que, reconheço, minha maré não está para peixe. Anda em baixa, vazante…

A solução que encontrei é postar a mais famosa crônica do jornalista e escritor Carlos Heitor Cony. Que, aliás, sempre cito em sala de aula como um dos melhores exemplos do gênero tradicionalíssimo na História do Jornalismo Brasileiro.

Chama-se Mila e foi publicada na Folha de S. Paulo em 4 de junho de 1995.

MILA

RIO DE JANEIRO – Era pouco maior do que minha mão: por isso eu precisei das duas para segurá-la, 13 anos atrás. E, como eu não tinha muito jeito, enconstei-a ao peito para que ela não caísse, simples apoio nessa primeira vez. Gostei desse calor e acredito que ela também. Dias depois, quando abriu os olhinhos, olhou-me profundamente: escolheu-me para dono. Pior: me aceitou. Foram 13 anos de chamego e encanto. Dormimos muitas noites juntos, a patinha dela em cima do meu ombro. Tinha medo de vento. O que fazer contra o vento?

Amá-la — foi a resposta e também acredito que ela entendeu isso. Formamos, ela e eu, uma dupla dinâmica contra as ciladas que se armam. E também contra aqueles que não aceitam os que se amam. Quando meu pai morreu, ela se chegou, solidária, encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu a minha festa, não queria disputar espaço, ser maior do que a minha tristeza.

Tendo-a a meu lado, eu perdi o medo do mundo e do vento. E ela teve uma ninhada de nove filhotes, escolhi uma de suas filhinhas e nossa dupla ficou mais dupla porque passamos a ser três. E passeavamos pela Lagoa, com a idade ela adquiriu "fumos fidalgos", como o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era uma lady, uma rainha de Saba numa liteira inundada de sol e transportada por súditos imaginários.

No sábado, olhando-me nos olhos, com seus olhinhos cor de mel, bonita como nunca, mais que amada de todas, deixou que eu a beijasse chorando. Talvez ela tenha compreendido. Bem maior do que minha mão, bem maior do que o meu peito, levei-a até o fim. Eu me considerava um profissional decente. Até semana passada, houvesse o que houvesse, procurava cumprir o dever dentro de minhas limitações. Não foi possível chegar ao gabinete onde, quietinha, deitada a meus pés, esperava que eu acabasse a crônica para ficar com ela.

Até o último momento, olhou para mim, me escolhendo e me aceitando. Levei-a, em meus braços, apoiada em meu peito. Apertei-a com força, sabendo que ela seria maior do que a saudade.

(Carlos Heitor Cony – Folha de S. Paulo, 04.06.95)

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