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Maio de 1968

Uma história de 1968 que, sei, o Zuenir Ventura não contou. Vou-lhes contar.

A Tarsila era uma menina bonita. Tinha lá seus 16 ou 17 anos, cabelos compridos até a cintura e certo ar de garota descolada – embora naquele tempo, fim dos anos 60, não se usasse esse termo. Dizia-se “exibida”.

Estudávamos num pequeno colégio, que hoje não mais existe, chamado IV Centenário, ali na rua Bom Pastor, no bairro do Ipiranga. Éramos sete jovens rapazes – reparem no “jovens rapazes” – numa classe de mais de 40 alunas. Fazíamos Magistério que, então, atendia pela denominação de Normal.

Tínhamos uma classe divertida – no fundo, no fundo, acho que poucos de nós sabíamos exatamente o que fazíamos ali. Ou o que fazíamos vida afora.

Aliás, há que se reconhecer: nada mais adequado, para nos definir, do que a frase do grande professor Cassemiro.

— São jovens, felizes e inconseqüentes.

Tarsila fazia por onde escapar desse perfil. Ao menos, tentava. Sempre tinha definições na ponta da língua. Parecia entender o certo e o errado da vida.

Certa noite – sim, porque estudávamos à noite para ficar mais tempo sem fazer nada – a rapaziada estava reunida a discutir provavelmente coisas de futebol quando Tarsila interrompe nossa transcendental conversa para nos informar que:

01. não namoraria com o Zé Roberto Pereira porque era muito farrista – leia-se baladeiro – e gozador.

02. não namoraria nem com o João, nem com o Rubens que eram bem mais velhos. Além do que, o João era casado.

03. não namoraria o Zé Luis porque era noivo e estava ficando careca.

04. não me namoraria porque eu não trabalhava e não era exatamente o seu tipo – ou seja, feinho, feinho.

05. não namoraria o outro Zé Roberto porque, embora bonitão, era muito garoto.

06. por fim, não namoraria o Astrão porque não queria e pronto.

Isto posto, sorriu para as coleguinhas que a acompanhavam, cúmplices e disse:

— Vamos!

Estava para sair da roda quando o Zé Roberto baladeiro e gozador fez jus à fama:

— Ô Tarsila, deixa de ser exibida. Primeiro, você deveria saber quem de nós é o louco de querer namorar você? Depois, mulher, ninguém lhe perguntou nada…

Lembrei desta história hoje. Um aluno veio me perguntar se sou um “remanescente” de 68 e eu não soube lhe responder. Não sei o porquê fiquei com a sensação que este causo resume o que, nós, garotos remediados de um bairro remediado de São Paulo, éramos e como vivíamos.

Um pouco lá, um pouco cá, gostávamos de ter razão em tudo. Ansiávamos um mundo ideal. Mais justo, mais solidário. Mas, não tínhamos consciência de tudo o que acontecia ao nosso redor.

Éramos, sim, o que o professor Cassemiro dizia: “jovens inconseqüentes”; porém, felizes, bem felizes em maio de 1968, o ano que não terminou…

[Texto publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]

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