Naqueles anos de chumbo, o medo e a coragem andavam lado a lado nas redações, nas ruas e praças. Na vida dos brasileiros.
A censura ditava o que se podia ou não escrever – o que se podia ou não pensar. Havia uma inexorável divisão de lados, fosse qual fosse a ideologia.
Pensava-se:
Quem não está comigo está contra mim.
Termos como maioria silenciosa, alienados úteis, burguesia, tinham nítida conotação pejorativa. Eram todos massa de manobras para que os ditadores se preservassem no poder.
Até a conquista da Copa de 70, para muitos, entrou no rol das coisas desprezíveis. Futebol como sinônimo de ópio do povo.
II.
A arte, por sua vez, precisava engajar-se nessa luta.
Só assim era possível se entender como arte.
Cantar a alegria – mesmo depois do toque/canção de Caetano – só para os incultos, e inconseqüentes.
Outro termo da moda: as temidas patrulhas ideológicas.
Até os tropicalistas foram alvos delas…
III.
Explique-se.
Era natural que fosse assim.
Grupos de direita andavam, de estandartes e bandeiras, pelas em defesa da tradição, família e propriedade. E viam inimigos vermelhos em que não se dispunha subscrever seus enigmáticos abaixo-assinados.
Havia a tortura, as mortes e uma Nação a se reconstruir.
IV,
Foi nesse contexto, conturbado e em ebulição, que surgiu a denúncia de que dois tiras, a mando de um certo cantor, haviam levado um ex-empregado do próprio ao Dops, para lhe aplicar um corretivo.
Motivo: o homem comum entrara com uma causa trabalhista contra o patrão poderoso, que apelara para violência.
V.
A cena dizia por si.
Foi juntar lé com cré.
O rastro de destruição da notícia foi incontrolável e devastador. Nenhum jornalista se propôs a apurar a informação com isenção.
(Podia sobrar para ele…)
Deixou-se o dito pelo que nunca se comprovou.
VI.
Simonal, o patrão e ídolo da MPB, o Rei do Suingue, ganhou a pecha de dedo-duro dos milicos. O cara apostava na alegria e cantava o “País Tropical abençoado por Deus e bonito por natureza”. Fazia galeras enormes cantar “meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá”.
Decidamente, aquele não era um tempo de zazueiras.
E assim se encerrou melancolicamente uma de nossas mais brilhantes carreiras musicais.
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Amanhã continua…
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Amanhã, nos cinemas: SIMONAL. Ninguém sabe o duro que dei. Um filme de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal.