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Sonhos & sonhos

Ouço falar em sonhos recorrentes.

Não sei se os tenho.

Penso que não.

Talvez, não.

O que acontece comigo são alguns cenários que se repetem.

Que eu me recorde:

– a velha casa da rua Muniz de Souza, onde passei a infância.

– a redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor, onde trabalhei por quase três décadas.

– e, por incrível que pareça, o campo de futebol de terra batida, onde ainda me vejo, com vigor e desenvoltura de tempos idos. Sem que sinta o peso dos anos e o peso do peso propriamente dito.

II.

Se o cenário se repete, a narrativa, porém, é diversa. Sem lógica, fragmentada, na linha do surreal.

Quase sempre, quando desperto, pouco me recordo das aventuras noturnas.

Tenho uma vaga noção desta ou daquela imagem, deste ou daquele lugar.

Fora isso, nada de nada.

III.

Nunca tive a curiosidade de saber o que representam, embora, por vezes, fique encafifado com certas repetições.

Não perguntei a nenhum especialista. A bem da verdade, sequer conheço algum.
Minto.

Lembro o amigo Anísio, repórter-fotográfico da Gazetinha, que se dizia letrado em entender o significado dos sonhos e, fazia mais e melhor: criava toda uma engenharia de representações para associar a trama com a centena ou a milhar que daria, naquele dia, no jogo do bicho.

Não, caro leitor, não tenho notícia de que o Anísio ou algum de seus orientandos conseguiram se dar bem em algum sorteio e acharam o caminho da fortuna,

No entanto, há que se reconhecer, as presepadas do amigo/consultor geravam boas histórias e sonoras gargalhadas.

IV.

Certa vez, um dos nossos, o Waltão, chefe da Oficina, acertou na milhar e ganhou cento e tantos mil. O Anísio, nosso expert no assunto, saiu em busca dos sinuosos sinais que haviam gerado o acerto.

Não lembro o número, Mas, de posse dele, o Anísio fez um emaranhado de associações que, por fim, levaram o Waltão a tirar a sorte grande,

Ficamos curiosos.

Será que havia alguma ciência nas palavras do Anísio?

Até que fazia sentido o que ele acabara de dizer.

V.

Foi só o Waltão chegar, com pinta de novo milionário do pedaço, para fixarmos nossa atenção no desvendar do mistério.

O Anísio não se acanhou.

Logo após os cumprimentos de praxe, tascou a inevitável pergunta:

– Fala aí, Waltão, como você ganhou na loteria? Aposto que sonhou com sua cidadezinha, os tempos de crianças…

E o felizardo foi bem sincero na resposta:

– Não tive sonho nenhum, Anísio, Entrei na lotérica, comprei o bilhete e nem vi qual número era. Havia até esquecido do bilhete quando o dono da casa me procurou hoje e disse do prêmio.

Mas, o Anísio, quem disse?, não se deu por vencido diante da negativa de sua tese.

– Você que não está lembrando. Mas que sonhou, sonhou…

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