Éramos jovens e inconsequentes nos tempos da velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
Trazíamos a indignação natural dos que estão entre vinte e vinte poucos anos.
Preconizávamos, em conversas e em nossas reportagens, a luta pelo fim da ditadura e pela construção de “um Brasil de todos os brasileiros”.
A expressão que ouvi do dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri – e alardeava para todo mundo como se fosse minha – era o nosso mote de vida e da lida diária atrás das notícias.
Essa ‘pegada’ mais combativa tinha as bênçãos dos grandes mestres da redação: o Tonico Marques, o Zé Jofre e o amado mentor, o grande J. Nascimento. Nasci, para os próximos e chegados.
Eles – muitas vezes, após longo debate de ideias e intensa bebericagem – nos forneciam generosamente régua e compasso para esquadrinhar o mundo e narrar os fatos que apurávamos em nossas jornadas pela melhor reportagem por semana.
(…)
Estou a ruminar essas lembranças a partir da notícia que leio sobre a transposição das águas do rio São Francisco. A presença do presidente ilegítimo no local, anunciando sua preocupação e disposição em dar nova vida àquele lugar e àquela gente.
Mais do que o ’caradurismo’ da figura, me assombra “a educada”, digamos assim, cobertura que a mídia conservadora – e igualmente golpista – deu a essa aberração.
(…)
Fico imaginando como os nossos saudosos preceptores avaliariam um eventual texto nosso sobre o fato, se nos portássemos tal e qual os repórteres de agora. É certo que não aprovariam a pseuda isenção da narrativa:
“Queira ou não, o jornalismo tem lado” – diria o Marcão em um de seus bordões favoritos.
“É o de promover o bem comum” – completaria o mais ‘acadêmico’ deles, o Zé Jofre, lavado e enxaguado na cultura bolchevique.
“Dar vez e voz a quem precisa se fazer ouvir e respeitar” – reforçaria o Marcão, um notável repórter em seu início de carreira no jornalismo.
“Cadê a emoção? ” – cobraria o amigo Nasci, a bordo de seu indefectível cachimbo.
“Isso aqui está tão interessante de ler quanto um relatório de uma vendedora da Avon” – completaria.
“Não iluda o leitor, meu querido. Não se iluda…”
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Saudade, amigos, muita saudade…
*** Post de número 2996