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Nestor e a pergunta bíblica

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Foto: Jô Rabelo

Garçom,

Desce um.

Desce dois.

Desce mais…

Que hoje por aqui vamos bebemorar a vitória palestrina sobre o Peixe…

Um. Dois. Três. Quatro a zero.

Ah, sim… e continuar a história que ontem prometi hoje lhes contar do meu amigo, o Nestor. Hoje ele mora na Bélgica e, na infância, em sua rápida passagem pelo Cambuci, era conhecido como “o bodoque infalível”.

Se quiserem, por vias da dúvida, podem reler o post “Tite, Neymar e a seleção” para se inteirar de nossa ilustre temática fiquem à vontade. Em resumo, acho que os coleguinhas da crônica esportiva andam muito cocorocas em relação ao que Neymar faz ou deixa de fazer fora de campo.

Se quiserem ir até lá, rolem a barra, cheguem até lá, e depois me honrem com a volta à crônica deste plácido domingo.

Eu espero.

Todos a bordo?

Continuemos…

O Nestor era um galego boa-gente que apareceu, de repente, lá pelas bandas da Muniz de Souza. Logo fez amizade com a meninada entre onze, doze, treze anos.

(Os de catorze se achavam aptos a andar com os grandões de quinze, dezesseis pra cima, e logo abandonavam nossa corriola.)

Para nós, as brincadeiras todas estavam liberadas. Bolinha de gude, carrinho de rolimã, empinar pipa (que chamávamos de quadrado), jogar peão, participar do campeonato de botão da rua, roubar goiabinhas verdes na chácara do portuga, nadar no lago do Jardim da Aclimação e frequentar as matinês de domingo no cine Riviera.

E jogar futebol e jogar futebol e jogar futebol. Que, no fundo, era só o que pensávamos.

Fazíamos essas coisas todas enquanto aguardávamos a chegada da bola de capotão. Aí era bola rolando até o dia escurecer.

Além dessas atividades todas, a fama do Nestor se criou em outra especialidade não-olímpica. Ao contrário da gente, o cara era o rei do bodoque. Que nós, os nascidos no Cambuci, chamávamos de estilingue, atiradeira.

O cara tinha uma pontaria impressionante.

Deu-se que uma tarde saímos em peregrinação até o centro de São Paulo, no pé dois mesmo, em busca de carteiras vazias de maços de cigarros para nossas valiosas coleções.

Eram tantas e tamanhas às nossas ações que acabei por me esquecer de relacionar esta: a de compulsivos colecionadores. Carteira de cigarros, bolinha de gude, tampinha, selo (os mais cdfs), gibis, figurinhas, distintivo de automóvel e tinha até o maluco do Dabaía que guardava bula de remédios.

Como ia dizendo, caminhávamos pelas ruas, olhos pregados ao chão na insana busca.

Até que fomos dar com os costados e o resto todo do corpo em frente ao Teatro Municipal, onde havia uma movimentação extraordinária.

Lá, diante das atraentes vitrines do Mappin, um senhor de terno amarfanhado berrava, gesticulava, se contorcia chamando a atenção das pessoas, com a Bíblia em uma das mãos.

Paramos para ver que a molecada daquele tempo era curiosa.

Pouco ou quase nada entendíamos do que o homem dizia.

Ele parecia em transe.

A cada manifestação que fazia erguia o livro e perguntava:

– Que atire a primeira pedra, quem nunca errou.

A gente ali, curiosa sim; mas assustada também, só vendo onde o bicho ia dar.

Já disse e repito:

Ele berrava, gesticulava, se contorcia, erguia o grosso tomo de capa preta e perguntava:

– Que atire a primeira pedra, quem nunca errou.

Na terceira ou quarta vez que o senhor repetiu a pergunta sem resposta…

PIMBA!!!

Levou uma pedrada no meio da testa.

Todos olharam para o nosso lado, onde o Nestor com estilingue na mão, exibia um sorriso vitorioso.

Houve certo tumulto que se aquietou assim que o senhor se levantou e, meio zonzo, veio a te nós. Olhou fundo nos olhos do amigo Nestor (que continuou impávido) e mudou a indagação:

– Mas, por que, filho querido? Por quê? Mesmo você, garoto ainda, vai dizer que nunca pecou, nunca errou? Diga, filho, nunca errou?

E o Nestor, todo posudo:

– Pecar, pecar, eu pequei. Mas, desta distância, não é pra me gabar, não; nunca errei não, tio!

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