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O que o tempo leva… (28)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Jô Rabelo)

 

O METRÔ vai preenchendo de cinza metálico todo o horizonte à  frente de Felisberto. Ele tem claro o que deve ser feito…

 

14h02.

Olha para o relógio da estação para confirmar o horário com o do mostrador do made in Paraguai que traz no pulso.

Se é para ser que seja agora, pensa.

Apesar de tudo – e dela, em especial -, é um homem de decisões fortes.

Desce afobado pela escada rolante rumo à plataforma dos trens.

O metrô com destino ao bairro de Santana se aproxima e a multidão ao redor se inquieta.

Todos querem embarcar ao mesmo tempo.

É agora ou nunca.

Tem claro o que é necessário fazer – e fará.

Não pode ficar protelando, pensar duas, três vezes.

Mudaria de ideia, fácil, fácil.

Não consegue entender o amor de Lucilinda e o Sr. Camargo, nada a ver um com o outro.

Está mais pra filha dele.

Eita, que a ardência lhe invade o peito. Volta a suar frio. Está gelado.

Não pode titubear.

Ouviria e diria, de novo e sempre, “é um tremendo e lamentável engano”?

Não deve se iludir.

Chega!

Decisão tomada – e ponto final.

Apressa o passo, olha para o chão entre os pés da gentalha, ultrapassa o risco amarelo da faixa de segurança entre a plataforma e o vagão.

Tem que estar ali quando o momento chegar.

Um, dois segundos a mais…

O metrô vai preenchendo de cinza metálico todo o horizonte à  frente.

A confusão é geral.

Precipita-se em meio àquela gente toda.

Aos trancos e barrancos se apicha para dentro do vagão.

Aliviado e cheio de planos:

“Volto para minha terra. Lá sou amigo do rei. Terei a mulher que eu quero na cama que escolherei” – ouviu a frase de um bacana, um tal de Sr. Bandeira. Pelo menos era assim que o chamavam, toda vez que guardava a relíquia do seu Prefect 50 lá no estacionamento.

Não tem lá grande certeza. Sem consultar o caderninho, faz uma confusão danada.

O poema Pasárgada é de Manuel Bandeira, esclareça-se.

O nome do dono da relíquia não precisa necessariamente constar do nosso relato.

Fica, com todo o respeito, e por enquanto, sendo só o velhote letrado que também curtia dizer poemas e frases bonitas.

– Sabia das coisas. Um homem de respeito.

Felisberto só não entende porque repete a frase agora nesse sufoco.

1 – Não é amigo de ninguém, menos ainda de um rei.

2 – Não sabe lembrar sequer o nome de uma mulher conhecida.

3 – Não tem onde dormir. Não tem cama, portanto.

4 – Nem sequer imagina qual seja o nome do prefeito de Bananal para onde pretende voltar e viver.

Questões postas, questões sem respostas.

Serve como desabafo, talvez.

Desde que se entendeu por gente, sempre soube que o ônibus São Paulo/Bananal tem saída diária às 16h30. Tem certeza que não mudou. A vida no lugar de onde veio, os confins do Vale do Paraíba, é assim mesmo. Não muda nunca.

Sempre soube também que um dia voltaria. Ricos ou pobres, vivos ou mortos, todos retornam para a terrinha. É uma praxe do lugar, uma tradição que ninguém comenta, não está escrita em livro nenhum, nenhum documento, não é obrigação lavrada em cartório, mas existe e se renova a cada geração.

Ele mesmo. Um exemplo vivo (ufa!) desta verdade factual. Não imaginou que voltaria tão cedo, Mas, o destino – e que triste destino!, lamenta – o empurrou para a Estação Rodoviária do Tietê e agora ele espera, aparentemente tranquilo, uma daquelas sucatas da Pássaro Marrom.

Destino: a secular e histórica Bananal.

Lembra que, quando menino, vinha para Capital com a família.

Era uma festa!

Não se dava conta das quase seis horas de viagem.

Uma aventura por estradas vicinais péssimas e o interminável pinga-pinga em diferentes cidades. Uma doideira.

Em compensação, a volta era um arrasto só. Guaratinguetá, Lorena, Cachoeira, Silveiras, Areias, São José, Formoso, Arapeí e finalmente Bananal na divisa com o Rio de Janeiro. Onze meia, meia-noite e pouco, fosse qual fosse o horário, todos desembarcavam esfolados das nádegas ao cérebro.

Agora, acontece justamente o oposto.

O desacorçoamento é só e inteiro dele.

Não quer mais pensar no ” tremendo e lamentável engano”.

Mas, incrível, sente-se revigorado só de se imaginar em Bananal. Rever a mãe, os familiares, alguns amigos e, quem sabe, ficar por ali tocando sua vidinha até que todos em São Paulo se esqueçam dele e ele, principalmente, se esqueça de Lucilinda.

 

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