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O que o tempo leva… (29)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Wilson Luque)

 

QUEM DIRIA? Menos de 24 horas atrás, era só o Felisba, apaixonado e iludido. Agora viaja e pensa no que deveria ser e não foi…

 

Há quanto tempo não enfrenta uma estrada?

A pergunta fica batucando sem resposta na cabeça de Felisberto. Vai que vai destrambelhado que só o ônibus que agora corta a Dutra numa velocidade superior aos limites de segurança.

“Segura, peão!”

Sente-se melhor. Até consegue brincar consigo mesmo. Ajuda que o busão não está com lotação esgotada, o que permite que se esparrame sozinho em duas poltronas do fundão.

Não sabe ao certo como chegou ali. Menos ainda o que vai fazer daqui pra frente. Menos de 24 horas atrás, era só o Felisba, apaixonado e iludido. Quem diria?

Às vezes, pensa no que deveria ser e não foi. Lucilinda aparece para tumultuar as ideias.

Não tem qualquer ilusão.

Uma vez ouviu de outro bacana que guardava um Santanão no estacionamento uma frase bonita:

“Não apresse o rio, ele corre sozinho”.

Pensou nos córregos e rios daqueles cantões onde nasceu e viveu, e disse para si mesmo:

“Faz todo sentido”.

Desde então deu pra guardar num caderno, de capa dura que comprou num mercadinho, tudo o que ouve e lê de frases que acha que vale à pena.

Se ele fosse estudado, escrevesse um livro, uma novela de televisão ou mesmo uma canção, ia lhe dar esse nome:

“Não apresse o rio”

Batuta, perfeito.

Apressou-se a anotar no tal caderno esta última fala. Pois era exatamente assim que se sentia naquele preciso instante.

“Tudo é tudo, e nada é nada”.

Adormece sem planos e desperta com o ônibus sacudindo e jogando para todos os lados, feito barco à deriva. Conhece o motivo desde os tempos idos: a sequência de curvas e o piso esburacado. O asfalto da Dutra ficou para trás, agora é o salve-se quem puder da estradinha que liga Queluz a Bananal.

Noite feita, quase nove horas, tanto tempo sem dar com os costados por aqui, não sabe mais se localizar. Os modernos guias de turismo definem aquela região como “o roteiro das cidades históricas”. Para os nativos, o roteiro é mesmo “o das cidades mortas”.

A gosto do freguês.

Conhece só o lado paulista. Bananal, São José do Barreiro, Areias, Silveiras e Queluz viveram o auge em meados do século 18 no tempo das primeiras fazendas que cultivavam café ainda no império. Antes toda aquela região era rota de tropeiros.

O professor do Grupo Escolar onde estudou dizia que D. Pedro I dormiu na Fazenda do Pau D’Alho antes de seguir para São Paulo e proclamar a Independência. Será verdade? Tá certo que o professor Ruggiero era de Barreiro, onde fica a fazenda.

Sei lá, o povo gosta de inventar umas histórias, e ‘puxar a sardinha para a sua brasa’..

Se bem que uma tarde, ainda quando vivia na Capital, o locutor deu a notícia com aquela voz empolada:

“Bom dia, amigos ouvintes. A Rádio Eldorado tem honra de anunciar que: pela sua importância histórica, o Governo do Estado de São Paulo vai investir “tantos” milhões de reais para recuperar a Fazenda Pau D’Alho em São José do Barreiro, no Vale do Paraíba. O restauro estará a cargo de uma equipe de professores da Universidade de São Paulo”.

Se bem conhece no ritmo da vida naquele fim de mundo, Felisberto é capaz de apostar que as obras ainda estão em andamento.

Dito e feito.

Falando no troço, olha ele ali.

Felisberto enxerga, apesar da escuridão, as cinco monumentais palmeiras à frente de um imponente portão de madeira, os altos muros caiados, o telhado do casario.

É o Pau D’Alho.

Em algum canto, ali naquele breu da noite, há uma placa do Governo do Estado de São Paulo, anunciando a restauração que nunca termina.

De novidade mesmo, desconfia, só deve haver o nome do governador atual, e olhe lá.

Cidades mortas, sempre foi assim.

 

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