UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)
FILOSOFAR de Felisberto, o menino crescido: nunca precisou de nada além do pouco que possuía. A cidade grande que o fez triste…
De ilusão, meu caro Felisberto, não mais se vive.
Anote mais essa no caderninho de frases e pensamentos.
Bosco, o amigão, vem em socorro – e desfaz qualquer equívoco.
O valente Fuscão é de um amigo, o Percival. Comprou numa feira de automóveis no Anhembi, em São Paulo, de um senhor falador metido a fazer piadinha. Pagou uma bagatela, 0 cidadão estava com pressa de se livrar do carango, mas Perci não está satisfeito.
O bicho é beberrão. Gasta muita gasolina:
– Ainda se fosse a álcool, vá lá!, diz Bosco.
– Nos derivados de cana, a preferência é do motorista, rebate Perci.
…
Nada como estar na própria terrinha.
Vinte minutos depois, lá se vão as economias de Felisberto e parte da indenização que ainda nem chegou a cair na conta.
O Fuscão Verde 71 é de Felisberto, ponto de partida para nova vida e novas emoções.
Ah, danado!
…
De chapelão, bota de couro de cobra e Fuscão que Felisberto reencarna o Filósofo e chega na manhã seguinte na casa da mãe.
Não lhe trouxe qualquer lembrancinha como das vezes anteriores. Mas, se justifica: viveu uns mal-entendidos na cidade grande – e preferiu voltar, assim, no estalo.
– O bom filho a casa torna, não é não?
Dona Eulália se surpreende com o inesperado da aparição.
Continua o mesmo menino crescido, pensa a mãe.
Agora estava ali à sua frente, dono de um automóvel barulhento, uma mala disforme com alça e de pano, todo amarfanhado. Mas, o que lhe chama mesmo a atenção é a expressão no rosto, de uma alegria tristonha, típica de quem quer esquecer o passado e, se possível, voltar a sorrir.
…
Respeitoso como sempre foi, Felisberto pede bênção e, antes que se lhe faça qualquer pergunta, responde as inquietações que afligem o coração materno:
– Cansei da cidade grande. Aquele não é o meu lugar. Muita hipocrisia, muita falsidade. Quero me ajustar por aqui.
– Pois veja só… Tinha a certeza que estava tudo às mil maravilhas. Jurava que não poria os pés por aqui tão cedo.
– Estou pensando em descansar alguns dias e depois vou ver o que faço da vida. Tem lugar pra mais um?
…
O ranchinho se espalha num terreno inclinado, até que de tamanho razoável. Uns 10 por 20.
A casa, no entanto, meio de pau-a-pique, meio de alvenaria, continua acanhada. Especialmente porque Dona Eulália mora com o outro filho, a nora e dois netos pequenos.
Mesmo assim, não há como deixar o filho sem abrigo.
– Vou lhe ajeitar um lugar pra dormir. Por enquanto, guardo seus trecos no meu quartinho.
…
Logo o cheiro forte de café quente faz Felisberto puxar pelas lembranças de idas e vividas épocas. Apesar da pobreza, sempre foi um menino feliz. Afeito às pequenas aventuras de garoto num lugar onde a natureza é dominante, sinceramente levou um bom tempo até ser capaz de distinguir entre quem tem e quem não tem grana.
Estudou em escola pública como todo mundo ali. Andou a cavalo, nadou no ribeirão, apanhou a frutaiada toda no pé, chutou bola descalço pelos campinhos improvisados entre sítios e fazendas.
Que se lembre agora, nunca precisou de nada além do pouco que possuía.
…
Conclusão.
A cidade grande que o fez triste.
A propósito, tinha plena convicção: o desalinho da cidade grande fez com que ela não entendesse o tamanho do amor que ele, Felisberto, lhe dedicou.
Ela também cometeu um tremendo e lamentável engano ao trocá-lo por aquele lá.
É isso. Está mais do que explicado.
Melhor não pensar. Nunca mais.
Esquecer que uma tal de… (como é o nome mesmo?) existe, eis o desafio.
Será que consegue?
“Todo o adeus é uma nova chance de partir e chegar.”
(Correu anotar a frase no caderninho.)
…
O que você acha?