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Mário por ele mesmo *

Foto: Reprodução/capa de livro

por Mário Quintana

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas… Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.

Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?

Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Verissimo – que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.

*MÁRIO POR ELE MESMO foi publicado na Revista IstoÉ em 14/11/1984

Então…

Tem duas coisas às quais recorro quando me sinto aborrecido e aborrecente:

  • a poesia travessa, lírica e eterna do jornalista, escritor, poeta gaúcho Mário Quintana (1906/1994)
  • e o universo lúdico das músicas (e do ritmo) de Jorge Ben Jor.

Curioso.

À primeira vista, nada tenho a ver com os tais.

Mas, desde os primeiros acordes de ‘Chove Chuva’ no longínquo ano de 1963, minha identificação com a obra benjorniana foi imediata e plena. Desde então a alquimia musical deste carioca do bairro do Rio Comprido, de idade incerta e não sabida, faz parte da trilha sonora dos meus malajambrados passos e caminhos.

Já Quintana, só fui conhecê-lo em tempos memoráveis da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Não lembro exatamente como, mas numa daqueles temíveis trabalhos em grupo para sei-lá-qual-disciplina, acabou sobrando para mim a obrigatoriedade de ler um de seus livros em busca de uma crônica que nos servisse de tema para um suposto audiovisual.

Entrei em êxtase com a sua dileta “luta corporal com as palavras”.

Não sei se a receita lhe serve, caríssimo leitor.

Questão de gosto. Cada um, cada um.

Mas, fica aqui a minha sugestão.

Busque lá seus esteios sentimentais para segurar a onda nesses tempos descascados e opacos.

E sigamos em frente sem perder o sorriso e a esperança.

A arte salva. Se não o mundo, pelo menos a nós mesmos.

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