Foto: Museu Catavento/Divulgação
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Anos 50.
Morávamos no Cambuci.
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Não muito longe da casa dos meus avós, ficava o imponente Palácio das Indústrias nas imediações da várzea do Parque D. Pedro, em São Paulo.
Era então a sede da Assembleia Legistativa.
Vô Carlito a classificava a área nobre da cidade. Campos Elísios, “lugar das gentes de posses”.
O pai dizia que os casarões da avenida Paulista “eram mais distintos”.
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Passávamos pelo Palácio quando íamos ao então efervescente centro de São Paulo.
Aos sábados pela manhã, Aldão, meu pai, e o meu padrinho, o Sr. Alexandre, iam ao Mercado Municipal – e me levavam.
Era uma luminosa aventura com cheiro de frutas.
Lembro que havia muitas árvores e um lago por aquelas paragens.
E o rio Tamanduateí, óbvio.
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Mas é uma lembrança vaga – e algo sombria.
Algum amigo do pai contou, na roda de Patrão e Sotto do bar Astória, que vira um homem se afogar naquelas águas barrentas, num dia de chuva.
“Deu no jornal” – disse.
Fiz cara de susto.
Alguém percebeu – e fez o alerta.
“Vamos mudar de assunto. Tem criança por perto.”
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Incrível.
A criança era eu, o Tchinim.
Devia ter meus cinco ou seis anos de idade.
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Como lembro disso?
Vou lhes dizer.
Por muitos e muitos anos, sempre que passava por ali, era inevitável recordar a triste história do homem que se afogou no lago do Parque D. Pedro.
Mesmo depois que soterraram o lago, eu olhava com apreensão o lugar.
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Coisa estranha a memória da gente.
Hoje, ao ler a notícia da Folha de S.Paulo que o Palácio das Indústrias completa exatos 100 anos, a primeira coisa que me veio a mente foi a tal lembrança.
Só depois fui saber que “o edifício começou a ser projetado em 1910 pelo arquiteto italiano Domiziano Rossi, parceiro do escritório de arquitetura de Ramos de Azevedo. As obras duraram de 1911 a 1924, quando foi oficialmente inaugurado no dia 29 de abril”.
O Palácio das Indústrias hoje é a sede do Museu Catavento, administrado em conjunto pela Prefeitura e uma organização social.
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A única vez que visitei o Palácio das Indústrias foi por motivo profissional.
Ali, era o sede da Prefeitura de São Paulo, o então prefeito Celso Pitta havia sido afastado do cargo por suspeitas de corrupção.
Sampa, pobre Samba, vivia dias de um imbroglio político sem fim.
Ele conseguira uma liminar na Justiça – e ameaçava retomar a função.
Fui lá como repórter ver o transcorrer dos fatos.
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Pitta chegou nos ombros de uma legião de correligionários, ameaçou discursar numa das varandas do prédio, falou em preconceito, em inimigos que não o queriam ali, que era um homem incorruptível etc etc etc.
Confesso que, naquela ocasião, não lembrei a história do lago.
Mas achei tudo bem estranho – e sombrio, sombrio.
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O que você acha?