A história dos debates eleitorais já tem alguma tradição na TV brasileira. Começam a pipocar a partir de 1982, quando o povo volta a eleger os governadores dos estados brasileiros. Nunca é demais lembrar que, por força dos causuísmos ditatoriais, essa prática se encerrou em 66 e, desde então, o brasileiro só ia às urnas para escolher vereadores, deputados estaduais e federais e senador – mesmo assim, um dos três senadores de cada estado era indicado pelo Governo Militar; era o chamado senador biônico.
O Palácio do Planalto também indicava o governador de plantão, e este escolhia o prefeito das capitais e de cidades consideradas áreas de segurança nacional.
II.
Na esteira do processo de redemocratização, os anos 80 saudaram a consolidação de avanços consideráveis como a anistia (77), as greves do ABC (de 78 em diante), o fim da censura (79) e a retomada das eleições gerais (82). Foi um momento bom, de semeadura da maior mobilização social que este País já assistiu, as Diretas Já, em 84.
Neste contexto, o jornalismo ganhou espaço na programação das TVs, e não apenas no formato de telejornais. Os programas de entrevistas no fim de noite se tornaram ponto de discussão e de interesse. Nascem neste período títulos como Roda Viva, Canal Livre, Crítica & Autocrítica, Jogo de Carta, com Mino Carta, entre outros.
Todos têm o formato de mesa-redonda. E se propõem a ser polêmicos e esclarecedores.
III.
Com efeito, esses programas se inspiraram na boa audiência dos primeiros debates televisivos por ocasião do pleito para o Governo do Estado, especialmente em São Paulo e Rio, em 82. São Paulo reúne uma plêiade de contendores peso-pesados – Franco Montoro (PMDB), Reynaldo de Barros (candidato de Maluf e sobrinho do líder Adhemar de Barros, PDS), Jânio Quadros (ex-presidente, de performances imprevisíveis, PTB) e o líder dos metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo PT.
No Rio de Janeiro, apenas um nome era motivo de apreensão e interesse, Leonel Brizola, tido e havido como "o incendiário".
A política passou a ser o tema da moda. Mais até do que Carnaval e futebol, pasmem.
IV.
Bem, vamos continuar a história dos debates…
Em São Paulo, o primeiro debate reuniu à mesa um time peso-pesado. Não lembro ao certo se foi na própria TV Bandeirantes. Mas, é provável que sim… Não houve regras previamente elaboradas. E cada um dos candidatos valeu-se mais da sua pegada do que propriamente de algum tipo de preparação. Montoro ganhou as eleições com certa tranqüilidade e o bate-boca da vez nada influiu no resultado. De marcante, ficou um bordão que um dos candidatos nanicos bradou insistentemene durante toda a campanha:
— Cadê você, Franco Montoro?
V.
Três anos depois, na eleição para a Prefeitura de São Paulo, o primeiro momento antológico. O jornalista Boris Casoy ainda pertencia aos quadros da Folha de S. Paulo, onde havia ocupado o cargo de editor-chefe por muitos anos. Não tinha a menor intimidade com a TV, e foi convidado a ser um dos perguntadores. O então senador Fernando Henrique era o favorito de todas as pesquisas. Um candidato imbatível na opinião dos cientistas políticos e similares. Até porque, naquele momento de ojeriza a tudo que lembrasse a ditadura, era comum se dizer que o PMDB elegeria "até um poste".
Jânio Quadros e o então deputado Eduardo Suplicy também participavam do pleito.
Jânio desobedeceu às regras modelares que se esperava de um candidato e simplesmente não compareceu ao encontro. Mesmo assim, foi o grande vencedor da noite.
Boris pespegou duas perguntas que derrubaram FHC e Suplicy.
Para Fernando Henrique, perguntou:
— Senador, o senhor acredita em Deus?
O sociólogo sem religião patinou feio. Dias antes, havia participado de ato religioso, ao lado de milhares de fiéis, em louvor a Nossa Senhora Aparecida. Agora, atropelava-se nas palavras que soaram inconsistentes.
Com o deputado do Partido dos Trabalhadores, foi mais singelo.
— Deputado, o senhor sabe quanto custa o pãozinho?
A resposta foi um disparate. Não lembro exatamente o que disse Suplicy, até porque a moeda era outra. Mas, se atualizarmos, digamos que ele chutou algo em torno de um real ou mais…
Comprovou assim, para o telespectador, que o discurso e a prática andavam um tantinho distante – como, de resto, ainda hoje é…
Jânio ganhou também as eleições.
VI.
Outro vencedor deste debate foi o apresentador Silvio Santos. Como assim? Logo contratou Bóris Casoy para apresentar um telejornal. E o transformou no primeiro âncora da TV brasileira, o que obrigou a própria Globo a rever o formato de seus telejornais, antes apresentados pelos chamados locutores-noticiaristas.
VII.
Lula também já teve seus dias de bom-humor em debates televisivos.
Num debate presidencial, chegou a elogiar o concorrente Paulo Maluf:
– O senhor é competente…
Espanto no estúdio e no público telespectador.
Como pode, são inimigos fidagais?
Lula elogiando Maluf?
Segundos depois, a conclusão:
– É que o senhor compete, compete, compete… E não ganha nunca.
Bons tempos, hein, Lula?
VIII.
Trato é trato".
Assim dizia o meu avô Carlito que fazia chapéus na fábrica Ramenzzoni, ali na esquina da rua Lavapés com a Scuvero, dentro dos limites da República Federativa do Cambuci.
Isto posto – e sei lá porque lembrei do meu avô -, vamos a mais uma parte dos relatos sobre os debates eleitorais na TV brasileira. Trato é trato…
Ops…
Antes de narrar o episódio de hoje (Collor vs. Lula em 89) quero fazer uma referência que, assim como chupinhamos a fórmula dos festivais de MPB dos anos 60 do eterno Festival de San Remo na Itália, também demos uma copiadinha no formato de debates entre presidenciais do histórico confronto Kennedy e Nixon, pela Presidência dos Estados Unidos em 1960.
Há quem diga que o tom despojado e elegante de Kennedy lhe garantiu a vitória diante de um Nixon acabrunhado, um tanto troncho e, diria, entristecido.
Esse debate marca o início da chamada era dos políticos telegênicos. No Brasil, o primeiro a tirar proveito – e como! – da TV foi mesmo o então desconhecido governador das Alagoas, Fernando Collor, quase 30 anos depois.
IX.
Há toda uma história que o mito Collor foi projetado pela mídia – especialmente, pela Rede Globo – assustada com a possibilidade de um de seus dois desafetos chegarem ao poder. Quem eram? O caudilho Leonel Brizola e o sapo barbudo Luiz Inácio Lula da Silva. Brizola, inclusive, havia dito e redito que o primeiro ato de seu Governo, em Brasília, seria rever a concessão de algumas emissoras de TV que estavam "a serviço do imperialismo".
Os outros dois candidatos, de peso, Ulysses Guimarães e Mário Covas também não inspiravam lá muita confiança na família Marinho.
À parte as mazelas da Teoria da Conspiração, o certo é que Collor ganhou projeção nacional ao participar de um programa de aniversário de Chacrinha e depois refestelou-se em um Globo Repórter em que se disseminou a alcunha de "caçador de marajás".
Daí para frente, a história, todos conhecem…
X.
É inevitável. A conversa foi parar em debate eleitoral na TV? Então, prepare-se, mais cedo ou mais tarde, vamos desaguar no pega de 89 entre Lula e Collor. E aí os ânimos esquentam…
O que aconteceu?
Segundo os índices das pesquisas de intenção de voto, os candidatos estavam próximos na semana que antecedeu as eleições, realizadas no domingo, dia 17 de dezembro. Collor e Lula se enfrentaram na quinta, dia 14. Um pool de quatro emissoras de TV (Globo, SBT, Bandeirantes e Manchete) transmitiu simultaneamente o debate que encerraria a campanha eleitoral para decidir o segundo turno.
Foi um embate renhido, com acusações mútuas; mais de Collor em relação a Lula.
Os próprios petistas reconheceram depois que Lula estava desconfortável, com ar cansado e hesitante. Muitos compararam a um jogo de futebol. Collor venceu por dois a um, três a um…
XI.
No dia seguinte, porém, o Jornal Nacional fez uma resenha do encontro absolutamente parcial. Mostrou Collor confiante, determinado. Lula, ao contrario. Cabisbaixo, inseguro, sem saber para onde ir.
Quem assistisse apenas ao Jornal Nacional e ousasse emitir um palpite, usando a metáfora do futebol, não teria dúvidas. Collor: 8 x 0. Só no primeiro tempo.
XII.
Se essa edição interferiu ou não no resultado final das eleições de 89, nunca se saberá. Foi uma semana trash para Lula aquela – e as que vêm pela frente. Por isso, é bem provável que eu volte ao assunto dia desses…
De resto, lembro que o horário político recomeça hoje. Mas, eu e você, caro leitor, merecemos uma trégüa. É feriado, Dia das Crianças e de Nossa Senhora Aparecida. De quebra, aniversário da dona Yolanda, minha mãe, filha do chapeleiro Carlito, aquele que começou o texto e que o encerraria agora com a célebre recomendação:
— Olha, não se meta a fazer cortesia com o chapéu alheio…
E, para dar um toque de modernidade e graça, o bom Carlito arrepiaria uma frase que a moçada de hoje consagrou, sempre que surge uma bola dividida:
— Piccino, me inclua fora dessa…