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A lição do Zé Jofre

– Patrão bom nasce morto!

A frase ecoava forte, solene na velha redação assoalhada, onde comecei meus dias de repórter.

Quem a dizia em tom solene, professoral era o velho Zé Jofre. À época, devia andar pelos 60 e lhe eram inconfundíveis o sotaque cearence e a crueza com que tratava a vida.

Não poupava quem estava no poder.

Socialista, dedicara os anos da juventude à luta em prol da causa.

Começou como gráfico, passou pelo jornalismo e, quando o conheci, era chefe do Departamento de Distribuição do jornal. A ditadura o afastara da reportagem e dos textos. Era mais seguro “esconder-se” num cargo administrativo.

Para a alegria dos mais jovens, era presença diária na redação. Bebíamos da sua fonte. Ele, em contrapartida, nos espicaçava – especialmente, a mim, estudante de jornalismo da USP, filho de operário e ‘revoltadinho’ por natureza.

— Você é um burguesinho alienado…

Era a ofensa maior que podíamos receber: ser chamado de burguês e, pior, “alienado”.

Tentávamos argumentar. Ensaiávamos um discurso de oposição para nos defender e mostrar que ele estava errado. Mas, ele quebrava todos os nossos pontos de vista. Não satisfeito nos esnobava:

— O que vocês aprendem na universidade?

Lembrava que era autodidata. Nunca freqüentou escola – e, ria, sabia mais do que todos nós. Para completar se punha a discorrer sobre livros, fatos históricos, poesia e autores. O russo Fiodor Dostoyevsky era o preferido.

— Leiam! Leiam!

Era uma ordem que, obedientes e fascinados, tratávamos de seguir.

Uma bela manhã, Zé Jofre anunciou que iria embora. Agora era com a gente. Início dos anos 80, o país dava sinais claros de redemocratização. Foi morar em Bonito, Mato Grosso, numa casinha à beira do rio. Um sobrinho a construiu especialmente para o tio solteirão e “maluco das idéias”.

De lá, nos escrevia semanalmente. Enviava cartões postais e recortes de jornais e revistas que achava relevante para nossa formação e entendimento do mundo.

Soubemos da sua morte por meio de um telegrama que chegou à redação. Só então reparamos que as correspondências haviam rareado. Ficamos desolados, tristes que só. Burguesinhos alienados que éramos, nem nos apercebemos do desaparecimento do amigo e mestre.

Por sorte, outro mestre, o Nasci, ao ver nosso abatimento, fez questão de lembrar:

— Esqueceram a lição que o Zé Jofre quis passar para nós? Pois, então: agora é com a gente…

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

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