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Aconteceu no Spazio Pirandello

“Onde anda meu amor?”

O homem caminhava cambaleante pela rua. Tinha os passos trôpegos de quem bebeu além da conta. Parecia não estar nesse planeta. Quem passava ao seu redor abria espaço para que ele seguisse. Evitavam o encontrão constrangedor e inoportuno.

A aparência era de um cidadão normal, entre os 40 e os 50, que momentaneamente escapava à pacata rotina de sua vida.

“Onde anda o meu amor?” – resmungava ao léu.

E ia-e-vinha sem rumo definido.

O prumo de sua vida estava visivelmente abalroado.

Não precisava ser especialista nas coisas do coração para saber o real motivo.

II.

Estávamos no Spazio Pirandello para lançamento do livro “Memórias da Telenovela Brasileira”, do saudoso amigo Ismael Fernandes.

Foi no mais antigo dos anos – tempos da campanha das Diretas.

O Baixo Augusta fervia.

A fauna de frequentadores, a mais diversificada.

Jornalistas, como nós, eram apenas uma das, digamos, tribos folclóricas do lugar.

A turminha dos malajambrados ipirangistas fazia ponto próxima a um dos grandes janelões do casario dos primórdios paulistanos.

Não lembro exatamente quem nos alertou para o desconhecido Pierrot que trafegava na calçada em frente.

Ia e voltava naqueles arredores da malfalada Rua Augusta.

O lamento era sempre o mesmo, e continuava sem resposta:

“Onde anda o meu amor?”

III.

Reflito, tanto tempo depois, sobre a nossa reação.

Nós, homens barbados, vida profissional e pessoal intactas, donos de verdades absolutas sobre isso, aquilo e aquil’outro.

A curiosidade nos aproximou de outras tantas janelas.

A princípio, rimos da cena.

Um ou outro esboçou as piadas tradicionais dessas situações.

Alguém se apiedou do sofrimento do rapaz.

Outro alertou:

– Podia ser um de nós.

IV.

Ops.

Olhares e entreolhares.

Foi então que o Nasci, sempre o Nasci, decidiu agir.

Partiu para a rua, falou com o desconhecido e o convidou para beber com a gente.

Dispensamos as apresentações.

No instante seguinte, era um dos nossos e brindávamos.

“Um viva às mulheres. As que estão. As que se foram. E as que estão por vir. Bem-vindas sejam!”

O homem sorriu, sem jeito.

Mas, acreditem, não mudou o bordão:

“Onde anda o meu amor?”

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