Barcos atracados em Hidra, Grécia/Fotos: Arquivo Pessoal
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Encontramos Chantal à beira do cais do porto em Hidra, pequena e doce ilha distante hora e meia de Atenas, Grécia.
“Encontramos” é modo de dizer.
Penso que “mera casualidade” seja a expressão mais precisa.
Estávamos ali por conta e risco próprios. Nós e ela.
As chegadas das barcaças que saem regularmente de Atenas e ali aportam com multidão de alegres turistas estão entre as principais atrações da ilhota, onde o passar do tempo parece se medir à base das velhas ampulhetas.
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Imaginem uma ilha onde os carros e outro qualquer veículo automotivo são proibidos de circular!
Pois então, cá estamos.
Seu emaranhado de ruas estreitas, vielas, becos e praças não comporta qualquer movimentação.
Ausentes os carros, sobram os gatos, de cores diversas, que se espalham, jeitão indolente, por onde caminhamos
E a vida, creiam, continua.
Deliciosa e plena em manhas e manhãs.
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Curiosa rotina.
Final de tarde, prestes a anoitecer.
Agora, vemos as parelhas de burricos que levam no lombo a bagagem dos turistas até os hotéis e as pousadas.
São inevitavelmente ruidosas e coloridas essas frequentes chegadas e, vá lá, partidas.
Hidra tem uma aparência bucólica que encanta, de primeira, a quem chega.
Passamos alguns dias ali por obra e graça de um compromisso social – e, reconheçamos todos, foi uma celebração, uma festa.
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Ops.
Quase esqueço.
Deixem que eu lhes apresente Chantal, a forasteira do grupo.
Posso descrevê-la como uma altiva senhora de idade incerta, traços fortes, cabelos castanhos entrelaçados num coque presos ao alto da cabeça. Uma senhora falante e, digamos, de olhar rutelíneo a refletir alguma inquietação d’alma.
Logo ela se enturma com nosso grupo sem qualquer cerimônia.
Apresenta-se como francesa, e se descreve como uma mulher livre, “solta pelo mundo”.
Não é propriamente uma moradora da ilha, mas está ali há um bom tempo.
“Quase ano”, diz.
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Andou por vários lugares desde sempre, e ali encontrou, entre gatos, barcaças e dias luzídios, o que chama da “tão almejada paz consigo mesmo e com o mundo”.
Chantal fala um português trôpego, arrastado pelo sotaque. Diz que o que aprendeu do idioma foi com Heitor, um namorado – “ou quase isso” – que teve na juventude, quando ainda perambulava pelas ruas de Paris.
“Éramos hippies, ou quase isso” – sorri ao lembrar.
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Segundo ela, Heitor era exilado político – e, garante, gostava mais dela do que ela gostava dele. Desde então, sentia-se única, livre e, por gosto, não queria se prender a nada. Nem a ninguém.
Mesmo assim, Chantal nos diz, ainda hoje, tanto tempo depois, ele lhe é uma doce recordação.
Houve uma tarde, diante dos vitrais da Rosácea da Catedral de Notre Dame, que, juntos, viveram momentos delirantes, inesquecíveis.
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Uia.
Nenhum de nós, o grupo de brasileiros mesmo ávido de curiosidade, ousou se aprofundar nos tais “momentos delirantes, inesquecíveis”.
Troca de olhares cúmplices e tácitos.
Há que se respeitar as recordações e as individualidades alheias.
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Em dado instante, Chantal suspira e nos pergunta se conhecíamos algum Heitor, jornalista e romancista de renome.
“Conhecíamos? Será que escreveu algo sobre eles?”
No ato e no fato, lembrei-me de uma crônica antiga do Carlos Heitor Cony (Cenas em Paris com Chantal).
Mas, não ousei arriscar qualquer pitaco.
Fiquei na minha a contemplar, como todos ali, mudos, o inebriante anoitecer na bela ilha de Hidra refletido nos barcos atracados no Golfo Sarónico, sobre as águas do mar Egeu.
Como distinguir entre ficção e realidade?
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TRILHA SONORA
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Veronica
15, novembro, 2025Uauuu, vc está em Hidra?