– Você já tentou esconder uma árvore?
– Esconder o quê? Uma árvore?
– Sim. Uma árvore.
– Mas como esconder uma árvore?
– É fácil. Basta colocá-la na floresta.
(…)
Penso e repenso.
Devo parar por aqui e deixar aos meus caros cinco ou seis leitores as provocações existenciais (se é que ainda as temos?) a partir da leitura do diálogo acima?
Ou assumo a ousadia de esticar o papo-cabeça entre a enigmática Dalva e o cunhado Henrique ao final do 42º capítulo do romance A Tarde da Sua Ausência, de Carlos Heitor Cony, lançado pela Companhia das Letras, em 2003?
(…)
Nesta madrugada que passou, dei conta de reler o livro do jornalista e escritor carioca que morreu em janeiro deste ano, aos 92 anos.
Quem aqui me acompanha, sabe: trata-se de um dos meus autores preferidos.
Esta não é uma de suas obras mais famosas, e premiadas. Posso citar assim, de relance, três ou quatro: O Piano e a Orquestra, O Ventre, Pilatos, Pessach – A Travessia, entre outras. Também não é minha preferida (escolho para tal Quase Memória, um quase-romance lançado em meados dos anos 90).
Reconheço, porém, em A Tarde da Sua Ausência uma narrativa densa e intrigante ao contar a saga da família Machado Alves, no Rio de Janeiro, na virada dos anos 50/60.
Em cada uma de suas 162 páginas, pulsa o traço marcante dos personagens: o alheamento e a solidão com que buscam o próprio caminho embora envoltos e protegidos (ou escondidos?) ao lado dos semelhantes.
Vera e Henrique são os personagens mais emblemáticos.
Mas, não os únicos.
(…)
Saio do enredo do livro – lamento sinceramente enquanto vou devorando as últimas páginas – e me surpreendo a batucar sobre a sociedade em que hoje vivemos. A lida diária, afazeres e compromissos, questionamentos, viagens, conquistas, por onde andamos, o sorriso e a selfie da hora… Tudo devidamente postado e ampliado pelas retumbantes redes sociais.
E fora delas, também.
O show da vida – e a vida como ela não é ou é ou aparenta ser?
Por favor, não me tirem de oráculo.
Por favor…
Não tenho qualquer pretensão.
Sou um poço de dúvidas, e vacilos.
(…)
Repito, pra mim mesmo:
Vera e Henrique são personagens bem emblemáticos.
Caberiam em nosso tempo perfeitamente.
Mas, não os únicos…
Agora, chamo os incautos leitores que ainda andam por aí para a tal dança da solidão:
E eu, e você e nós.
Os arredores…
Árvores numa floresta?
O que você acha?