Foto: Arquivo Pessoal
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Uma tarde qualquer, vadia e ensolarada, daqueles incríveis anos 50…
Lá está o garoto Tchinim a nada entender do mundo e dos seres que se autoproclamam gente grande.
“As pessoas são estranhas.
Muito estranhas.
Tão estranhas…”
Um involuntário poema. Murmura para si mesmo o garoto de olhos arregalados para a antiga doceira envidraçada na vendinha do Seu José.
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Está em dúvida. Pelos trocadinhos que traz no bolso da calça curta (antes era este o nome do que hoje intitulamos como “bermudas”) que o padrinho lhe deu no aniversário de 8 anos, não sabe o que escolher diante das maravilhas todas que o velho móvel guarda em seu bojo.
Queria mesmo um tablete do chocolate Diamante Negro. Com o dinheirinho que tem, contenta-se com um doce de leite ou uma paçoquinha. Dois dadinhos, talvez.
Ô dúvida!
Garante que, quando crescer, vai trabalhar numa fábrica de chocolates.
– Aí, sim…
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Seo José deixa o balcão onde atende a variada freguesia. Arrasta os tamancos até o guri – e cobra uma decisão:
“Ô miúdo, diga logo o que queres. Que hoje sinto que não estou para festas.”
Mais esta?
Justo hoje que o menino está sem pressa. Não tem sequer o dever de casa pra fazer.
A Dona Izabel faltou. Quem deu aula foi a professora substituta.
Moça nova.
Estava um tantinho apressada.
Nem passou a lição de casa.
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Tchinim continua como a brincar de estátua em frente aos doces.
Seo José , sim, mostra-se impaciente ao tamborilar os dedos sob o vidro da doceira.
Tem um tom melancólico na voz. Mais do que uma admoestação, o garoto se espanta com o inesperado lamento.
O homem está triste, desconfia.
Talvez fosse aniversário de alguém – dele próprio, quem sabe? – e ele não está com vontade de fazer festa.
Pode ser.
Festa, a gente faz ou participa quando se está feliz.
Ensinou o vô Carlito que, seja qual for o lugar da comemoração, logo se põe a cantar e a beber goladas de vinho – não necessariamente nessa ordem.
Vô Carlito é engraçado.
“Gosto dele, muitão” – pensa o menino.
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“Decida-se, o garoto!”
Outra vez, a conversinha do vendeiro.
Logo agora que Tchinim ia aconselhar ao Seo José a ficar numa boa, relaxar, que a semana ainda vai ao meio.
“Hoje sinto que não estou para festas!” – repete o homem naquele mesmo tom.
Também “vamos e venhamos”, como diz o Francisco, que é motorista de táxi e amigo do pai de Tchinim, com a música que o portuga está ouvindo no rádio não dá mesmo para ser feliz.
É o sucesso da época. Ok!
A voz dolente de Dolores Duran entoa os versos definitivos do inesquecível samba-canção:
“Ah, vontade de ficar
Mas, tendo que ir embora…”
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Tchinim balança a cabeça e é taxativo:
“Outra indecisa!”
E, para não dizerem que faz parte da turma do lengalenga, logo se define:
“Eu quero o doce de leite, aquele que tem uma cobertura de coco.”
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As pessoas são estranhas. Muito estranhas. Tão estranhas…
Quando viram adulto, então!
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Walter Silva
14, abril, 2021Muito bom… relaxante… parabéns