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Cony

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O jornalista e escritor Carlos Heitor Cony morreu, por volta das 23h desta sexta- feira (5), aos 91 anos. Ele estava internado desde 26 de dezembro no Hospital Samaritano, no Rio. Em 1º de janeiro, foi submetido a uma cirurgia no intestino e teve complicações. A causa da morte foi falência de órgãos.

(O Globo)

I.

Durante muitos anos, décadas até, assinei a Folha de S. Paulo para ter em mãos, recortar e guardar as crônicas diárias de Carlos Heitor Cony. Normalmente, ele escrevia na página 2 e, às sextas, meia página na contracapa da Ilustrada.

Meu filho se divertia ao me ver, nesta época do ano, super atarefado na missão de recuperar as colunas. Me embaralhava diante da pilha de jornais que se acumulara durante minhas viagens de férias.

– Deixa disso, pai. Os textos estão todos disponíveis na internet.

Não é bem assim.

–  Esses recortes têm um valor imensurável para mim, eu lhe dizia, mas não sei se me entendeu.

II.

Cony sempre foi uma referência para os da minha geração – e para mim muito especialmente.

Não o conheci pessoalmente. Mas está entre os que me influenciam e me deram régua e compasso para traçar meus combalidos passos profissionais e pessoais neste mundo confuso e turbulento.

Não consigo precisar quem me encantou primeiro. O Cony jornalista ou o Cony escritor? Há ainda um terceiro Cony, o da vida real. Aquele senhor descolado, culto e demolidor em seus conceitos nas entrevistas que dava e nas palestras que fazia.

Lembro a conversa com Marília Gabriela e o Macaco Simão num programa que ambos comandavam no SBT. O jornalista  estava impagável na explicação de o porquê viera de terno claro para o encontro em São Paulo, mesmo sabendo da fama de terra da garoa (e friorenta)  que a cidade tem.

Disse mais ou menos o seguinte: o terno era uma espécie de talismã. Toda vez que precisava voar e se sentia inseguro, ele o vestia. O costume lhe dava uma sorte danada, pois o avião nunca caiu.

III.

Sempre me disseram que, no trato pessoal, Cony esbanjava bom humor. Transitava folgadamente entre o cáustico e o lírico. Quase sempre, ele próprio era a vítima.

Faz sentido.

Uma de suas definições mais frequente de si era:

“Sou anarquista inocente e triste que, quando muito, só faz mal a si próprio.”

IV.

Na Literatura, o desabrido lirismo é marca de um de seus melhores livros: “Quase Memória”. Trata-se de um tocante relato das aventuras/desventuras do pai, o jornalista Ernesto Cony, pelos olhos mágicos do filho, o próprio Cony.

É uma de minhas leituras preferidas. Talvez porque ora me veja no papel do pai, sonhador e trapalhão. Ora me veja como o filho, embasbacado diante das ‘proezas’ paternas e das armadilhas do mundo.

A bem da verdade, é uma identificação rasa. Algo pretensiosa, reconheço, sei bem. Falta-me a verve do Ernesto/personagem para enfrentar o cinza do mundo e o talento descomunal do filho/narrador de tantas e tamanhas façanhas.

V.

Uma história pessoal, se me permitem, a título de ilustrar o que lhes digo.

Quando meu filho entrou na Universidade para cursar jornalismo, um de seus professores, o Sérgio Rizzo, lembrou-se de mim, dos tempos em que cobríamos as entrevistas coletivas na área da música popular brasileira..

Rizzo recomendou-me à professora Katy Nasar e ao professor José Faro, que comandavam o curso da Universidade Metodista de São Paulo, para que eu ministrasse aulas de “Linguagem Jornalística”.

Na manhã seguinte, recebo a ligação da professora Katy na Redação em que trabalhava.

Fiquei lisonjeado.

Antes de aceitar o convite, porém, decidi conversar com o garoto.

Levei comigo para o encontro um exemplar do livro do Cony para que ele entendesse melhor a cena. Assim poderia dar o devido desconto à minha intromissão em seu novo universo.

Ele adorou a narrativa, e aturou com elegância, durante quatro anos, o pai/professor e suas patacoadas.

VI.

Citei “Quase Memória”, mas poderia listar outras tantas obras de Cony que me foram fundamentais. “Pessach. A Travessia”, “Antes, o Verão”, “A Casa do Poeta Trágico”, “O Ventre”, entre os 17 romances que escreveu (sem contar, as adaptações de clássicos, os ensaios, os livros-reportagens, as coletâneas de crônicas. Enfim, quase uma centena de títulos.)

Lembro sempre uma frase de um de seus livros – não vou dizer qual, para não lhes estragar a leitura, caríssimos leitores. O autor/narrador é contundente na explicação de como reconheceu a criança que lhe apresentavam como seu filho, apesar de não saber da existência dela até aquele momento:

“Todo o garoto triste parece um pouco comigo.”

VII.

Quantas as crônicas, são muitas as que me são caras. Também prefiro não citá-las para que o leitor tenha o gosto e o prazer de descobri-las por si só.

Continuei a colecioná-las.

Estão reunidas em dezenas de pastas que guardo com carinho. Eu as visito de quando em quando. Poéticas, algumas. De um romantismo desmesurado , outras. Contundentes quando retratam os escaninhos da política e da vida brasileira. Polêmicas e causticas como foi o jeito de Cony vida afora.

Hoje pela manhã, guardei a última crônica que escreveu – e foi publicada domingo na Folha (Uma Carta e o Natal) – na última pasta desta minha preciosa coleção. Depois, olhei ao redor e, tal e qual um personagem do próprio Cony, me senti mais só e desesperançado.

(*foto: Uol)

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