Deixem eu lhes contar uma história boba, boba. Que aconteceu lá no mais antigo dos anos.
Não me perguntem como me lembrei dela na noite de ontem. Ao ouvir uma antiga canção que tocou no rádio do carro…
II.
Tchinim era garoto meio trapalhão e falador que morava na rua Muniz de Souza, lá no bairro do
Cambuci, em São Paulo, Capital.
Deixemos o CEP de lado, ok?
Não é importante para o nosso enredo.
Na mesma rua, dois quarteirões para cima, morava uma garota linda e desinibida. Chamava-se Lígia e era o que hoje chamamos de ‘celebridade’ para o local. Filha do dentista, aprendia piano com a Dona Antoninha e – acreditem – estudava balé em uma academia na rua Lins de Vasconcelos.
Certa tarde de domingo, todos puderam vê-la na TV em preto e branco, ao fazer um número de dança no programa Grande Gincana Kibom, apresentado por Vicente Leporace e Neide Alexandre, na TV Record.
Sua popularidade foi às alturas.
III.
Com tantas e tamanhas credenciais, os meus caros cinco ou seis leitores podem imaginar o quanto os garotos da rua disputavam – em vão – as atenções da menina-bailarina.
Não preciso dizer, mas digo: Tchinim estava entre eles. Com remotíssimas chances, diga-se.
O garoto estudava no colégio marista Nossa Senhora da Glória, mas sua vida era mesmo jogar futebol.
Mas, sonhava e sonhava que é um dom da garotada – e que, de resto, nada custa e faz um bem danado.
Vez ou outra o falador Tchinim gostava de comentar essa tenra paixão aos amigos.Até para que todos ficassem avisados e ninguém ousasse tomar-lhe à frente.
IV.
Calhou que, certo dia, por força das circunstâncias, Tchinim estava de bobeira, na esquina da rua Teixeira de Carvalho, à espera da turma para o futebolzinho de praxe no Jardim da Aclimação quando percebeu que Lígia atravessou a rua em sua direção.
Ela, que nunca lhe dirigira uma palavra sequer, foi objetiva na abordagem:
– Você que é o tal do Tchinim?
As pernas bambearam. O coração acelerou. Os olhos embaçaram. Só a proximidade da menina deixou o ‘marinheiro de primeira viagem’ ainda mais abobalhado do que já era.
V.
Talvez fossem seus feitos como goleiro do time mirim de futebol de salão que representou a rua no primeiro Salão das Crianças. Talvez fosse seus cabelos longos e com franjinha à moda dos Beatles. Talvez fosse um inabalável charme pessoal que as sardas no seu rosto lhe davam…
Talvez fosse tudo isso, talvez fosse apenas um equívoco.
Mas, como ela sabia o seu nome?
VI.
Antes que Tchinim pudesse dizer algo, ela continuou:
– Pois fique sabendo que eu não quero nada com você. Além do que, eu detesto futebol.
Assim, à queima roupa, ela acabou com os sonhos do rapazote de onze, doze anos, e se foi como chegou toda faceira.
VII.
Para Tchinim, além do coração despedaçado, restou a lição que cultiva ao longo de sua vida: quando o assunto é mulher, não se pode confiar em ninguém, nem sequer em nossos melhores amigos.