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Crônicas de Viagens – Mont Saint Michel

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Foto: bienvenueaumontsaintmichel.com/fr

24 – A Espada de Luz

São sinuosos e desafiadores os caminhos que nos levam a MONT SAINT MICHEL, ville situada na minúscula ilha rochosa da Baixa Normandia.

Fica no estuário do rio Couesnon que desemboca no Canal da Mancha.

É um lugar repleto de lendas: monstros marinhos que afundavam embarcações, marés furiosas e traiçoeiras, guerras entre esquadras de reinos rivais,  esconderijo  de salteadores e piratas… Até que, reza a tradição, a aparição de São Miguel Arcanjo pôs ordem no lugar – e assim se fez a paz entre os homens de boa vontade. Na medida do possível, claro.

Por essas e outras que não sei contar, construiu-se ali, no século 13, uma fortaleza – e no alto desta um mosteiro e uma igreja em louvor ao anjo redentor.

É o ponto turístico mais visitado da Normandia e está entre os primeiros de todo o território francês.

Desde 1979 é considerado Patrimônio Histórico da Humanidade.

(fotos: Arquivo Pessoal)

Faz um bocado de frio no inverno.

Chegamos lá ávidos e curiosos para ver a maré cheia quando o penhasco vira uma ilhota, pois se isola sem contato com o continente.

Durante os preparativos para a viagem, lemos e ouvimos sobre o fenômeno que acontece sempre que a maré sobe sei-lá quantos metros. O mar, então, invade implacável e lentamente toda a planície arenosa até desaparecer o elo que une a ilha ao continente.

Dá-se, a partir daí, o espetáculo: um suceder de ondas, cada vez maiores, que arrebenta junto aos rochedos.

Era tudo o que pensamos ver.

Não nos faltou imaginação – seria como entrar no túnel do tempo.

Aliás, foi essa a primeira e única decepção.

Assim que pegamos as chaves dos nossos aposentos, indagamos ao recepcionista do hotel pela segurança dos veículos que deixamos no estacionamento, fora da fortaleza, próximo ao mar.

– Não há qualquer perigo.

– Como assim?

– Fiquem tranquilos.

– Mas, e se a tal maré subir nesta noite e inundar tudo?

Um sorriso, depois a resposta em tom jocoso:

– Isto não acontece desde o século 19.

– Oi… Como assim?

Olhamos sem graça uns para os outros e os outros para os uns,  e resolvemos relevar.

– Tudo bem.

Até para a segurança dos veículos é melhor assim.

Disfarça e assovia…

Esqueci de dizer…

Uma das atrações da cidade é a estátua de São Miguel no topo da igreja a 170 metros de altura.

Aliás, há referências ao anjo em todos os lugares que se vá.

Tanto que, além da imagem em que enfrenta o temível monstro marinho de espada em punho, o que mais se vê à venda nas lojinhas locais são as ditas-cujas espadas. De todos os tamanhos, modelos, origens e cortes.

Eu mesmo fiquei propenso a comprar uma.

Desisti.

Não sei exatamente o que faria com a tal. Mas, era bacanuda…

Serviria de adorno na sala de casa (inapropriada àquele modesto espaço)?

Ou como uma desproporcional espátula  para abrir as cartas que não recebo?

Uma lembrança deste lugar que nos inspirou a viagem…

Todo o cavaleiro tem uma espada.

Foi o que li numa das histórias da primeira coleção de livros que o pai me comprou.

Era garoto ainda, e aquelas histórias – elas, sim – inundaram minha imaginação e, de algum modo, forjaram minha personalidade.

Há alguns anos, quando visitei as ruínas do Castelo dos Templários, em Tomar, Portugal, fiquei me ‘achando’ um dos personagens daquelas fábulas antigas, repletas de ensinamentos e justiça.

Lembro ter caminhado ao redor das muralhas – como fiz aqui em Mont Saint Michel –, amo e senhor de todos os sacrossantos  embates que livrassem o mundo dos ímpios e de todos os males.

De quebra, me achei investido de certos dons e outras tantas boas certezas.

Entre as quais, a certeza do privilégio de estar ali naquele dia, hora e lugar.

O mesmo aconteceu na ilhota.

Talvez por influência desses dois momentos, criei de há o hábito, pessoal e intransferível, de agradecer às graças recebidas num instante mais do que especial do dia.

Procuro uma igreja – que é o que mais visito em viagens assim – ou mesmo um lugar silencioso qualquer.

É a minha hora de agradecer e me preparar para os novos desafios a enfrentar a cada jornada.

Imagino, então, ser ungido pelo Divino por uma  imaginária espada de luz a clarear meus passos e os caminhos daqueles a quem amo…

Em março de 2015, aconteceu a maré deste aloprado século em Mont Saint Michel. Agora, dizem os especialistas, só no século 22… Sabe-se lá, né? Esse planeta anda tão estranho…

* Publicado originalmente em 17.06.2007

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