Vou lhes contar a história conforme a ouvi. Sem tirar, nem por, pois não quero emitir qualquer juízo de valor sobre o tema.
Futebol, política e religião, cada um com a sua e vida que segue.
É a seguinte.
Meu cunhado, Waltinho, foi protético durante anos e anos. Trabalhou com dentistas mil dessa São Paulo de todos e de nenhum. Antes de aposentar as espátulas e os dentes artificiais, que lapidava com engenho e arte de um ourives, presenciou histórias curiosas porque são demais os perigos dessa vida e ainda não curtíamos a era das novas tecnologias e dos implantes.
Imprevistos perfeitamente compreensíveis, mas que deixavam os desdentados e sua reputação em situação de risco.
Acontecia, por exemplo, de alguns desavisados engolirem o pivot em meio a uma divertida churrascada. Ou a perereca do outro alçar voo deliberadamente em meio a uma calorosa discussão. A ponte móvel daquele se fixar dentro do copo de cerveja. A denturada da prosaica senhora acompanhar o vaivém das palavras dentro da boca tal e qual o requebro de uma dançarina de axé.
Pois, então…
Lembro que, num 25 de dezembro, ele abandonou a ceia de Natal em nossa casa para acudir um senhor que, em meio ao pifão da véspera, não sabia exatamente o que se sucedeu. O homem acordou 1001, sem noção de onde perdera as jaquetas de porcelana que lhe enfeitavam o sorriso.
Waltinho fez um trabalho emergencial com os provisórios que tinha à mão e, ao que consta, o homem voltou a ser feliz.
Isto posto, quero mesmo lhes contar a história mais divertida que ouvi do Waltinho. Foi a daquele senhor humilde que lhe encomendou, de uma só vez, dois jogos de dentadura. Tanto para a arcada superior como para a inferior.Cioso de seu ofício, meu cunhado explicou que não podia ser assim. Faria as primeiras e lhe entregaria e, daqui a alguns anos – que esperava que fossem muitos, pois seus serviços eram de qualidade –, ele voltaria para a substituição a partir de uma nova modelagem.
— O senhor precisa entender que a forma de nossa boca sofre mudanças naturais com o passar do tempo.
Entender o homem até que entendeu.
Mas, definitivamente, não queria e não podia esperar. Queria porque queria as dentaduras em duplicata. E explicou o porquê.
Vendera todos os seus bens – casa, automóvel, jóias etc – e entregara aos responsáveis pela nova igreja que passara a freqüentar. Em um dos cultos, um dos “iluminados” foi tomado por estranha divindade que anunciou, para o próximo mês, o fim dos tempos. Em choro, lágrimas e ranger dos dentes, mesmo que postiços.
Só escapariam aqueles, justos, que abrissem mão das riquezas materiais e as doasse ao Culto.
Só assim teriam direito a um lugar no Reino dos Céus.
O homem tratou de se garantir. Mais do que perfeito, seria viver a sorrir nos desvãos da eternidade que lhe garantiam.
Não sei o porquê, mas lembrei dessa história ontem depois de ver o Jornal Nacional…