Foto: Jô Rabelo
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É difícil explicar o Brasil de hoje ao amigo que vive tantos e tantos anos na Bélgica e que, de surpresa, aparece para nos visitar.
Veio resolver uma pendenga familiar. Dessas que se arrastam trocentos anos e parecem nunca ter fim.
Coisas da Justiça brasileira, digo sem querer dizer.
Escapou.
Força do hábito. Reclamão que sou.
Me surpreende, porém, com a não-reação, pois ele não mostra qualquer espanto.
Diz lacônico:
“Compreendo.”
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Resolvo fustigá-lo.
Em todo lugar é assim, provoco.
O amigo cai na armadilha:
“Em todo lugar, não. Justiça é Justiça. Aqui, ao que consta, tem várias graduações. Digamos que é mais seletiva. Para uns, é mais severa. Para outros, inexiste.”
Respondo que ele parece saber bem mais do que eu que aqui vivo.
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Desculpa-se sorrindo.
Fala que está sendo deselegante.
Afinal, mora há tantos anos fora, praticamente toda sua vida, que não é justo fazer avaliações e dizer o que é certo e o que é errado num país que, por vezes, duvida ainda ser o seu.
“Quando se vive muito tempo fora do próprio lugar, como eu que saí daqui garoto ainda, a gente passa a se sentir um forasteiro onde quer que se esteja. Não é uma coisa legal, posso lhe garantir.”
Tento quebrar a tensão:
– Você é brasileiro. Sempre foi – e sempre será. É até louvável que se preocupe com tudo o que aconteça por aqui.
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Não sei se ajudei. Nem sei se gosta de se sentir um brazuca.
Ele confessa que resistiu o quanto pôde por essa volta.
No fundo, estava receoso de encontrar uma realidade ainda pior do que descrevem lá fora.
– Pintam o bicho mais feio do que, na verdade, é – digo na tentativa de uma trégua.
Ele inclina a cabeça, levemente para a direita.
E permanece em silêncio.
Não consente, nem desmente.
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As queimadas, a presepadas do presidente e seus ministros, a subserviência aos Estados Unidos, o retrocesso em termos humanitários, entre outros tantos e tamanhos desalentos que nos abatem. No cardápio dos noticiosos internacionais, deixamos muito a desejar.
Melhor mudar de assunto.
Pergunto se conhece o Metrô de São Paulo. Funciona legal. Belas estações. E pode ser um bom passeio que o fará reencontrar-se com a cidade que deixou, por necessidade, ainda nos anos 60.
– Não vai reconhecê-la.
Volta a sorrir. Agora daquele jeito malandro que lembrou os tempos de moleque no Cambuci, e pergunta:
“A quantas andam as investigações sobre a corrupção de políticos e empreiteiras durante o governo dos tucanos no Estado?”
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Desisto.
Melhor falar de futebol.
Faço o convite para o jogo do Palmeiras hoje à noite no Allianz.
– A gente vai de metrô, topa?
O que você acha?