A Gazeta Mercantil foi durante anos e anos, décadas, o veículo impresso de maior prestígio no âmbito do jornalismo econômico.
Marcou época.
Em meados dos anos 90, por questões administrativas, viveu uma grande crise – e, por fim, acabou deixando de circular.
Um dia, na universidade, recebo um atônito grupo de estudantes em minha sala, com ares de desespero. Sonhavam todos trabalhar na Gazeta Mercantil e agora o diário desaparecia assim, sem deixar vestígios e legado.
O que podiam fazer?
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Respondi que qualquer jornal, quando desaparece, pode não deixar vestígios físicos, concretos, mas o legado imaterial de sua trajetória, este existe, e permanece.
Eles, alunos, ali em minha frente, eram exemplo vivo dessa herança. Que fossem sérios, competentes e compromissados com a profissão, com o jornalismo econômico, como foram os profissionais que fizeram o nome e a fama da Gazeta Mercantil que, infelizmente desaparecia naquele momento.
Fosse onde fosse que a turminha viesse a trabalhar, importante mesmo era reverenciar, com integridade, o ofício que sonhavam abraçar e exercer.
Não sei se os convenci, sei que estão por aí. Na ralação cotidiana do ofício e da arte.
Pois que a profissão é técnica, comprometimento e dom.
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Conto essa historieta pelo tanto de mensagens que a mim chegou de ex-alunos, amigos e afins sobre as demissões que aconteceram na redação da ESPN/Brasil e, em cheio, atingiram jornalistas como Juca Kfouri, Rafael Oliveira, Arnaldo Ribeiro, o chefão Palomino, entre outros.
A princípio, não gostaria de meter o bedelho nessa triste arenga. Que é a sina das redações enxutas em nossos nebulosos dias.
Reconheço, no entanto, a justa preocupação desses jovens, jornalistas ou fãs de esportes com a notícia que circulou no fim da tarde de ontem.
No seu melhor momento, a ESPN/Brasil de Zé Trajano (foto) virou referência de bom jornalismo. Tanto no âmbito da imprensa esportiva assim como do jornalismo propriamente dito.
Quase todo mundo que cursava jornalismo na universidade – e se imaginava trabalhando com esportes – almejava trabalhar na ESPN/Brasil de Trajano, PVC, Antero, Paulo ‘Amigão’ Soares, Juca, Helvídio e que tais.
Estaria, no mínimo, em notáveis companhias.
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O jornalismo que ali se praticava era de primeira linha. Com ênfase na informação, na opinião abalizada e, sobretudo, no olhar mais alongado do esporte como instrumento de desenvolvimento e integração social.
A grade de programas era bem variada – e alguns se transformaram em marcos na recente história do jornalismo esportivo brasileiro. Posso citar, assim de primeira, o Caravana dos Esportes, o Brasil da Copa do Brasil, o Sportcenter comandado pelo Antero e o Amigão, o Linha de Passe na sua versão mais robusta, com as participações do Márcio Guedes e Fernando Calazans, entre outros tantos e tamanhos.
Havia também a transmissão – muitas vezes, in loco – dos jogos de campeonatos importantes no Brasil e mundo afora.
Além do charme matinal que era o Ponta Pé Inicial, programa pilotado pelo próprio Trajano com o luxuoso auxílio do Dudu Monsanto, que juntava as agendas esportiva e cultural da cidade e do país.
Enfim…
Vamos ao resumo da ópera.
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Com a saída do Trajano – mentor e grande construtor do canal, ao lado de uma pequena e brilhante equipe, vale o registro –, a ESPN/Brasil perdeu as lídimas referências, distanciou-se do DNA que a formatou, buscou uma suposta modernidade que, avalio, nunca conseguiu alcançar.
Caiu na enfadonha mesmice de tentar juntar jornalismo e entretenimento. O que é sempre um risco.
E dá-lhe falação; manhã, tarde e noite.
Perdeu audiência.
Chateou os mandachuvas da Disney Company, dona da emissora, que estuda novos rumos para o canal.
Business is business.
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É sempre lamentável quando ocorrem episódios como o de ontem, demissões em cima de demissões. O tal ‘passaralho’ sofrego e devastador.. Fenômeno, diga-se, que se tornou tristemente comum nas mais variadas redações, dos mais variados veículos de informação.
Jornalismo como commodity.
Todos perdem. A sociedade, a democracia, a cidadania.
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Volto ao início do texto. Misturo alhos e bugalhos pra dizer que aquela ESPN/Brasil que aprendemos a admirar já não existe há um bom tempo.
Quando o Trajano foi saído, a maionese desandou.
Mas, aquela não foi uma vã experiência. O legado que deixou pode, sim, e deve ser preservado na atitude de cada um dos que sonham trabalhar com jornalismo esportivo.
Não importam o nome, o tamanho, a plataforma. Importa, sim, a atitude de cada um.
Bola pra frente, rapaziada.
…
O que você acha?