Uma ex-mulher é para sempre.
Admirável frase do amigo Nasci, recorrente sempre que um dos nossos o procurava naquele boteco que não existe mais, onde o Sacoman torce o rabo entre as ruas Bom Pastor e Greenfeld. Óbvio que o casório do sujeito andava em crise por motivos diversos que variavam entre a paixonite aguda por alguma garota taludaça, a birita em demasia, o dinheiro ralo ou a sogra palpiteira. Talvez pudesse haver outras causas, como a Dona da Pensão fugir com o vizinho. Mas, esses casos não eram considerados, pois logo viravam piada e todos se divertiam, inclusive – ou principalmente – o marido traído que logo se convencia:
— Do que foi que eu me livrei, Senhor!!!
Não havia um DataNasci para aferir os casos em questão. Posso lhes garantir, porém, que a moça de carnes tenras e a ‘marvada da cachaça’ lideravam o ranking das querelas conjugais que, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente aportavam no balcão de mármore gasto, onde o Nasci descansava os cotovelos, o cachimbo e os copos de cerveja e de Steneiger, um ao lado do outro.
Ele ponderava que estar sem grana era condição natural da nossa gente. Quanto às sogras, dizia ele, faziam parte do kitch do casamento. Portanto, ambas as situações eram perfeitamente toleráveis e compreensíveis.
Dizia mais.
Um porre de quando em quando, a mulher até desculpava. Muitas vezes, até valorizava o ‘passe’ do maridão entre as amigas. As estropolias do rapaz entrava para o rol das inconfidências que as mulheres exercitam quando se encontram.
— Ah!, o Cebola, quando bebe um pouquinho, fica tão fogoso. Fala cada coisa no meu ouvido na hora do rala e rola…
Todos riam da imitação do Nasci para a Senhora Cebola. Ele aproveitava para fazer o alerta.
— Agora se o Cebola virar um pudim de cachaça e todo dia der vexame, é certo que, mais cedo do que ele espera, vai dormir na sarjeta e todos sabem aquele dito: o de bêbado não tem dono…
Não era lá muito diferente a recomendação do Nasci quando alguém chegava andando nas nuvens, com cara de idiota, a dizer que “finalmente havia encontrado a mulher da sua vida”. Não demorava e lá vinham a ironia e o alerta do nosso guru
— O Estropício, meu irmão, sabe que lhe considero, mas não confunde as coisas. Sei que você vai dizer que casamento é só um detalhe. Mas, cara, não esqueça a patroa. Não faz besteira. Não estique a corda. Ela arrebenta e sobra pra você…
Nessas ocasiões, o exemplo mais citado era de um ilustre cirurgião dentista. O homem era riquíssimo e muito bem sucedido na profissão. Casado, dois filhos, vida social assentada em bases sólidas. Tudo nos trinques até encontrar a bela Constança, de curvas insinuantes e sorriso envolvente. Elazinha só queria saber quando custava para obturar um dente e o Doutor se propôs atendê-la, a partir de então, para o resto de suas vidas.
Só que o conto de fadas não teve lá um final tão feliz. O esposa abandonada levou tudo o que pôde a título de pensão para os filhos adolescentes – e o Doutor agora recomeçava do zero em um consultório modesto na periferia do Ipiranga. Era comum vê-lo passar pelo Sacoman a bordo de uma poderosa e interminável Caravan com câmbio no volante.
Foi o que lhe restou.
— Nesse misere, dou três meses para a Constança bater asas. É só ele terminar o tratamento dentário. Quer apostar?
Não. Ninguém ousava questionar os prognósticos do Nasci. Eles sempre se cumpriam.
Lembrei do Nasci assim que vi a capa da Veja nesta semana. Lá está uma chamada para a alentada entrevista de Roseane Collor que se espalha por várias páginas da revista. A ex-primeira dama não faz nenhuma denúncia que comprometa ainda mais o ex-marido, ex-caçador de marajá e ex-presidente Fernando Collor, o Belo. Mas, faz um estrago…
Ao terminar de ler a reportagem, não houve como não repetir a frase do amigo:
— Uma ex-mulher é para sempre…
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]