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Gol de Pelé*

Foto: Arquivo Pessoal

Recupero uma historinha que já lhes contei,

Memória de infância.

*Texto original publicado em abril de 2011.

Ser criança em fins dos anos 50 não era nada fácil.

O dia inteiro na rua.

Jogar futebol descalço na áspera calçada da Muniz de Souza ou no barrancão atrás do campo oficial do Jardim da Aclimação. Andar de carrinho de rolimãs ladeira abaixo. Empinar pipa sempre com os olhos no céu, escapando das fiações e do laça de outros quadrados. Subir muros. Rodar peão. Bolinha de gude. Campeonato de botão. Bicicletar mundo afora…

Enfim, uma rotina pesada que invariavelmente resultava em escoriações.

Mesmo dentro de casa, Tchinim não se aquietava.

O garoto queria ser goleiro.

Por isso, para ele, não havia espaço e hora para preparar-se para o futuro promissor que o aguardava.

“Defende Gilmar”.

“Espalma Castilho”.

“Encaixa Poy”.

“Que defesa magistral do pequeno gigante Valdir”.

Imaginação a mil.

O garoto atirava a bola de borracha contra a parede e se espichava no ar para defendê-la, adotando o nome dos grandes goleiros da época: Gilmar (do Santos e da seleção brasileira), Castilho (do Fluminense e da seleção brasileira), Poy (do São Paulo) e o guardião do seu amado Palmeiras, Valdir Joaquim de Moraes.

Na sala era onde mais gostava de brincar.

O sofá maior transformava-se o imaginário gramado adequado para amparar voos e defesas milagrosas.

Só que, óbvio, na sala havia todas preciosidades da família. Inclusive uma jarra de porcelana, trazida de Murano, na Itália, pelos avós da mãe.

É bem verdade que, em função do passar do tempo, a aparência da peça não era das melhores. Mas, o dito valor afetivo e familiar pesava e muito.

Mais de uma vez, a mãe ameaçou coloca-lo de castigo se não parasse com aquela estripulia.

Ali não era lugar de futebol.

— Olha o vidro da cristaleira.

— Não suja as paredes.

— Cuidado com o vaso da minha avó.

Os avisos da mãe entravam por um ouvido e saiam pelo outro.

Treino é treino e jogo é jogo.

Até que um dia o inevitável aconteceu.

Tchinim exagerou na mão ao jogar a bola contra a parede, atirou-se para fazer o que os locutores antigos chamavam de ”ponte”.

Mas, tudo em vão.

A bola passou no meio de seus braços.

Estourou o vidro da cristaleira e, implacável, foi ávida e lentamente quicando até derrubar o jarro de estimação que se espatifou no chão.

Só de ouvir o barulho, a mãe largou os afazeres da cozinha e foi ver o tamanho do estrago, já de chinelo em punho.

Ao ver o garoto no chão, desconsertado diante de tamanho estrago, conteve a raiva.

Conferiu se havia acontecido algo com ele.

Viu que estava tudo bem e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ouviu o garoto, ainda em delírio, lamentar-se:

— Esse Pelé chuta forte mesmo…

Desistiu da surra. Mas, por precaução, tomou a bola dele e escondeu em cima do velho guarda-comida.

A mãe nunca entendeu de futebol.

Mas, até ela, avessa às coisas do Planeta Bola e fã incondicional das novelas da Rádio São Paulo,, já ouvira dizer que esse tal de Pelé era mesmo o Rei do Futebol.

Ainda nenhum comentário.

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