Fotos: Reprodução do Instagram oficial do músico
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Confesso, pois não sou de esconder sentimentos.
Saí daquele teatro na rua Augusta, em São Paulo, um tanto aturdido. Nada entendi daquela parafernália de sons e engenhosas diabruras que acabara de ver e ouvir. No palco, o bruxo Hermeto Pascoal e uma penca de músicos misturavam acordes dissonantes a gritos, urros, bateção de lata e outros tantos ruídos numa farra sonora e existencial única – e, cá pra nós, imprevisível.
Anos 80, se bem me lembro.
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Dia seguinte, na redação, comentei com um colega meu estranhamento com o espetáculo (?) que acabara de ver na noite anterior.
Ele riu.
E acrescentou:
“Na noite em que eu fui, os malucos levaram até um porquinho que se pôs a grunhir. Era o solista da turma. Acredita?”.
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Como não acreditar?
O alagoano Hermeto Pascoal escreveu, por conta de sua incrível jornada, capítulo único na história de nossa música popular. Compositor, arranjador e multi-instrumentista, era reconhecido pela genialidade de suas orquestrações, arranjos e, sobretudo, pelos experimentos musicais inauditos.
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Outra das tantas e tão representativas perdas recentes da nossa cultura.
Hermeto Pascoal morreu no sábado, dia 13, no Rio de Janeiro.
Tinha 89 anos.
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Leio o comunicado de sua passagem no Instagram do músico.
É lapidar a descrição.
“No exato momento da passagem, seu Grupo estava no palco, como ele gostaria, fazendo música. Como ele sempre nos ensinou, não deixemos a tristeza tomar conta: escutemos o vento, o canto dos pássaros, o copo d’água, a cachoeira, a música universal segue viva.”
“Quem desejar homenageá-lo, deixe soar uma nota no instrumento, na voz, na chaleira e ofereça ao universo. É assim que ele gostaria.”
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Corto para o começo do post/crônica de hoje, lembro uma historieta pessoal.
Encontrei Hermeto meses depois, em uma coletiva de imprensa. Depois das perguntas protocolares, ao fim do encontro, comentei com o músico que havia assistido a um dos shows que fez em São Paulo.
Ele me perguntou o que achei da apresentação.
Tomei coragem e lhe disse que havia saído do teatro “um tanto atrapalhado das ideias, sem nada entender, achando tudo muito estranho.
Aguardei a resposta, com algum receio do que disse.
No entanto, Hermeto me pareceu gostar da minha sinceridade. Ameaçou uma boa gargalhada – e desconversou, creio, sem me levar a sério:
“É isso. A música é mesmo um estranhamento d’alma”.
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TRILHA SONORA
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O que você acha?