Cumpro hoje a promessa que lhes fiz.
De contar a história de Adoniran que ontem me escapou.
Seguinte:
No início de carreira, Adoniran costumava frequentar os chamados “dancings”.
Dancings eram lugares onde a rapaziada literalmente pagava para dançar.
Explico aos mais jovens.
Era um salão com uma portentosa orquestra e um cast de dançarinas que ficavam à disposição dos cavalheiros, mediante à apresentação de tíquete que o pimpão comprava assim que chegava ao local.
De acordo com as posses e o interesse, lá ia o rapaz para uma, duas, três contradanças com a deusa da pista que mais lhe aprouvesse.
Antes de qualquer coisa, convém registrar que a coisa parava por aí mesmo; digamos, no aspecto lúdico e glamouroso da dança.
Se mais houvesse entre o casal, não era de responsabilidade da casa.
O fato é que o jovem Adoniran divertia-se a valer nesses volteios de aluguel.
Só que na base do dois pra lá, dois pra cá foi inevitável a súbita paixão por uma das dançarinas.
Para não perder o freguês ou apenas e tão enigmaticamente por ser mulher, ela não dizia que sim, mas também não afirmava que não.
Talvez, quem sabe, pode ser, vou pensar…
Qual marmanjo não se perdeu nesse lusco-fusco de promessas vãs?
Para incrementar o possível romance, Adoniran usou sua arma mais decisiva.
Em meio a um bolero, devidamente picotado, ele não deixou por menos:
–Vou fazer uma canção para você.
A moça sorriu. Mas, nem por isso, mudou de comportamento.
Continuou nas noites seguintes tão indiferente quanto antes.
Mesmo assim, o compositor dentro dele falou mais alto – e cumpriu a promessa.
Em uma noite, surpreendeu a dançarina lhe entregando, em mãos, os versos do samba que fizera em sua homenagem. Em breve estaria nas vozes de Os Demônios da Garoa, e ela poderia derreter-se toda ao ouvi-lo.
Era assim que gostaria de eterniza-la.
O samba chama-se “Iracema”, aquele que a amada morre atropelada (“veio um carro, te pega, e te pincha no chão”) e ainda toma uma carraspana:
“Eu falava, mas você não me escutava não.
Iracema você travessou contramão.”
(Convenhamos. Foi uma ingênua, mas deliciosa vingança.)