A história do ‘novo amigo’ é simples, e bonita. Só poderia mesmo ter acontecido em Berlim.
Ele conheceu Julien quando ambos ainda tinham 18 anos. Trabalhavam na mesma loja de sapato situada nas imediações da área central. Apaixonaram-se e viveram o que, para época, significou um tórrido romance.
Até que o inevitável se deu.
Inexorável, cruel.
A cidade foi cortada pela Muro em 1961.
Julien morava no lado oriental. Rudi, no ocidental.
Não houve tempo sequer para despedidas.
Não houve tempo para considerarem a possibilidade , corajosa, de assumirem-se como definitivos.
– Éramos jovens demais.
(…)
Os anos se passaram.
Inelutáveis, soberanos,
Rudi e Julien reconstruíram suas vidas, como pessoas comuns, normais.
No entanto, um não esqueceu o outro.
Eles se reencontraram dias depois a derrubada do muro, em 1989. (Estavam acompanhados das respectivas famílias em meios às festividades e os reencontros.)
– Brasileiro, vou lhe dizer, foi emocionante vê-la ainda tão linda.
(…)
Dias depois – Rudi não soube precisar quantos – voltaram ao mesmo lugar.
Sozinhos, corações acelerados.
Conversaram, e até tentaram uma reaproximação, digamos, amorosa. Mas, não eram mais as mesmas pessoas.
A partir de então, adotaram, no entanto, um estranho ritual.
(…)
Todos os sábados – ou quase todos – por volta das 10 horas da manhã, ambos se encontram na Checkinpoint Charlie, praça nas imediações do antigo posto de checagem, guardado por soldados americanos na Berlim de então, onde ainda resiste um trecho mínimo do muro de Berlim.
Rudi e Julien se confundem às turbas de turistas que visitam o local – e ficam ali, sentados em silêncio, um ao lado do outro, em um banco sob um antigo mapa da cidade nos tempos da divisão.
Dez, quinze minutos depois (de acordo com o compromisso de cada um), levantam-se e, depois deb trocarem sorrisos cúmplices, vão embora.
Desse jeito, me informa o alemão, eles vivem o que restou do amor que um dia sentiram e, desconfio, ainda sentem.
(…)
Ao final da narrativa, Rudi pede outra cerveja imensa e se mostra um tanto melancólico. O homem também me derrubou com a tal história. Agora o vejo como um cara legal, do bem que, a seu jeito, sabe lidar com um sentimento belíssimo. Mesmo assim, continuo sem saber o que dizer.
Deixo escapar, no entanto, a pergunta que me parece óbvia:
— Você é feliz assim?
Rudi se faz ainda mais enigmático. Mas, responde convicto:
– Melhor do que ficar sem vê-la.