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Homenzinho de chapéu

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O senhorzinho, de aparência e figurino simplórios, está ‘causando’ na Casa de Apostas. Fala alto, ri na maior. Voz fanhosa, um tanto áspera, tem lá seus setenta e muitos a equilibrar o corpo franzino sob as abas curtas de um chapeuzinho de lã quadriculado.

A fila é longa.

Para atendê-la, há três guichês. Só em um os clientes se revezam. Dois estão emperrados. Um, com ele. No segundo, outro senhor passa a limpo a tarefa de pagamentos de uma empresa – comum agora usarem os “da melhor idade” para tais finalidades. São mais responsáveis, têm preferência no atendimento e, além do que, aposentados que são, qualquer trocado lhes faz feliz.

O pessoal continua chegando. O amontoado de gente vai além da cobertura da loja que é estreita, apertada – e cai uma chuva fina.

Por isso, o burburinho de descontentamento aumenta.

– Esses velhotes são folgados.

(…)

Ouço alguém dizer, e não faço cara de bons amigos.

Não advogo em causa própria. É que, nessas horas, não há como não lembrar o Velho Aldo, meu pai. Não pelo senhor tarefeiro e, sim, pelo o nosso falante apostador. Ele adorava um joguinho. “Carteado, não que vicia”. Mas, de resto, topava todos.

(…)

O homenzinho, pra começo, passou uma maçaroca de apostas para a atendente reclusa na cabine indevassável. Espera alguns instantes e pergunta:

– Quanto foi, filha?

– 54 reais, senhor.

Ele pensa um instante, dois, outro mais e mais outro, e replica confiante:

– Vê um bolão da quina, aí?

– Pois não, senhor.

(…)

O pessoal louco para ser atendido, e eu de olho no senhorzinho de chapéu. Lembra o meu pai, no jeitão, digamos, descolado, nem-aí.

– Ah, a mega-sena acumulou, não foi?

– Foi sim, senhor.

– Boa. Qual o prêmio?

– 35 milhões, senhor.

Ele assovia, aplaude. Agita-se.

As pessoas na fila, os últimos tomando chuva, também:

– Manda um bolão, dos bons, pra mim.

– Pode ser este, senhor.

– Pode, acha que vou refutar. Vai que dá, é ou não é?

– Então, senhor…

– Peraí, agora faz um joguinho só meu.

E, sem se dar conta do vozerio, foi ditando pausadamente as dezenas que lhe passavam pela cabeça.

– Quanto ficou tudo, moça?

– 73,40, senhor.

– Só isso, ele ri todo-todo.

– Faz o seguinte…

(A malta continua impaciente)

– Faz o seguinte, vê uns pedaços daquele bilhete da federal.

(…)

Enquanto a moça faz o serviço, o homem remexe no bolso interno da jaqueta, saca de lá uma nota verdinha de 100 reais.

– Essa nota paga?

– Paga e sobra, senhor.

Agora vai, imaginam os incautos da fila.

– A loto-fácil corre hoje, não corre?

– Corre, sim senhor.

– Então, pega aí uma aposta pra mim. Pega um jogo pronto.

– Pois não, senhor.

Ele ri satisfeito, olha para a turma da fila, e solta:

– É hoje que derrubo a banca.

(…)

Há uma mistura de risos e resmungos que, desconfio, não o abatem.

– Deu 100 agora?

– Ainda tem troco, senhor.

– Não precisa, moça. Fica para o cafezinho. Tá frio hoje, né? A senhora… Quer dizer, você foi muito atenciosa.

– Não precisa, senhor…

– Boa tarde, moça. Bom trabalho.

(…)

Ele vai saindo lépido e faceiro quando um gaiato, injuriado com o tempo de espera, faz a provocação.

– Valeu, vovô. Vai ficar rico, hein.

A resposta veio direta e reta:

– Se não ficar rico, mais pobre do que sou também não fico por causa de 100 reais. Além do que já sou rico em saúde, educação e bom humor – coisa rara hoje em dia. Ah, e não sou seu avô e tenho a sorte de não lhe conhecer.

Tome!

 

*Foto: Jô Rabelo

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