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Impressões a partir da visita do papa

O Brasil sempre foi considerado o maior país católico do mundo. Talvez motivada por nossa natural tendência ao exagero, uma dúvida me acompanha — e juro por todos os santos — é inevitável quando ouço essa e outras frases do tipo "Deus é brasileiro". Nessas horas, parece-me que estamos a imputar ao destino — ou melhor seria dizer, aos desígnios do Senhor — uma culpa que nos pertence, direta ou indiretamente, para os chamados desajustes sociais que ora vivenciamos. "O Céu que nos proteja…" é outro dito que me deixa encafifado. Seria normal se esperar que, invocada a proteção divina, nada mais fosse preciso fazer senão esperar por novos amanhãs mais promissores. "Se Deus é por nós, quem será contra?" É o que nos basta.

Faço esse preâmbulo, que considero delicado por tratar de uma questão de fórum pessoal, para falar da terceira visita do papa João Paulo II ao Brasil…

Ops.

Não estranhe, caro leitor. Mas, o texto acima eu o escrevi em outubro de 1997 por ocasião de outra visita papal ao Brasil. Reli o texto hoje para melhor dimensionar as idéias sobre o que sinto neste exato instante em que o papa Bento XVI fala a milhares de jovens no Estádio do Pacaembu.

Resolvi postá-lo como início de conversa. Até porque o achei bem atual.

II.

Nessa minha longa estrada da vida, foram os seguintes os papas que ocuparam a Santa Sé: Pio XII (minha mãe dizia que era um santo), João XXIII (de 58 a 63, tido como o papa da transição), Paulo VI (de 63 a 78, foi quem primeiro viajou pelos cinco continentes), João Paulo I (morreu com um mês de papado, era chamado de o papa sorriso), João Paulo II (de 78 a 2005, o papa que era pop e grande humanista) e Bento XVI, que ora chega ao País, com fama de conservador e sem o status estelar do antecessor.

O papa era pop, lembram?

III.

Estudei em colégio marista e me habituei a ver a fotografia do papa na parede das salas de aula. Fazia dupla com a imagem de São Marcelino Champagnat, fundador da ordem religiosa de louvor a Maria, e havia, entre eles, ao centro um crucifixo de madeira escura. Diante dessas referências, rezávamos antes que as aulas começassem e quando voltávamos do intervalo, com direito a uma rápida contenda futebolística de 20 minutos – pasmem – num campo de terra batida. Era com o uniforme escolar suado e os sapatos e meias sujos que reiniciávamos as aulas. Antes, porém, rezávamos uma dezena do terço e terminávamos, com as tradicionais jaculatórias:

“Beato Marcelino Champagnat! Rogai por nós”.

“Oh! Maria, concebida sem pecado. Rogai por nós que recorremos a vós”.

“Louvado seja o sagrado coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado. Amém!”.

Recordo-me de um gol de falta que marquei numa daquelas aguerridas porfias. Não foi um chute muito forte. Ao contrário, só coloquei a bola no canto baixo, onde o goleiro não estava. Fiquei feliz pra caramba. Mas, não consigo recordar quando foi feita a troca dos quadros. Ou seja: sai João XXIII e entra Paulo VI. Será que foi justo neste dia? Porque mesmo rezando eu só pensava na maravilha da trajetória que aquela bola fez até vencer o Paulo Egydio, o alemãozinho, goleiro do outro time. Estava me sentindo onipotente. Jamais erraria um chute a gol, vida afora…

Imagino que passei a aula toda e o resto do dia também em estado de graça. Até o próximo jogo pelo menos.

IV.

Em duas ocasiões que estive em Roma, tive a oportunidade de assistir à benção do papa. É sempre aos domingos, por volta das 11 horas. Os fiéis de diversas procedências – e turistas, de um modo geral – se reúnem em frente ao Vaticano. Estende-se sobre a janela um manto vermelho; na verdade, vinho com adornos doirados. Cria-se, então, a expectativa de que o papa vai aparecer a qualquer momento.

Só quando ele surge na janela é que se tem noção do quanto estamos distante de Sua Santidade. Distingue-se apenas um vulto de minimamente visível a acenar para a multidão. A voz, porém, sai grandiosa e nítida, ampliada por um potente sistema de som. Faz uma mensagem dominical, entremeada por orações e, por fim, recebemos todos a benção papal. Há ainda uma saudação feita em vários idiomas.

— Saudamos… os peregrinos… de língua portuguesa.

Foi uma emoção indescritível quando João Paulo II convocou-nos para a oração. Ouviu-se a manifestação de brasileiros e portugueses ali presentes, num domingo de janeiro de 1998. Alguns grupos agitaram bandeiras. Outros abriram faixas alusivas às suas cidades. Fiquei mesmo emocionado e o resto da viagem, me senti como o garotinho goleador, em estado de graça. Pensei no privilégio de estar ali, com meus familiares e amigos.

V.

Neste ano, voltei a Roma e à praça de São Pedro. Também esperei pelo papa, numa manhã de domingo. Antes de me posicionar para ver a aparição, percorremos a basílica, o museu do Vaticano, a Capela Cistina e a cripta, onde estão os túmulos dos papas. O de João Paulo II é, de longe, o mais visitado e há quem diga que “é milagroso”.

De novo na praça, não demorou e Bento XVI apareceu. Falou sobre a intolerância para com os imigrantes e pediu que se desse fim a esse tipo de discriminação. Referia-se claramente aos países desenvolvidos. Imigrantes de todas as nacionalidades – principalmente, os africanos – estavam representados por diversas comitivas. Depois, como de praxe, veio a saudação em diversos idiomas. E a benção final.

Saímos da praça um tanto desenxabidos. Não houve a citação “para os peregrinos de língua portuguesa”. Não dei grande importância. Mas, alguns dos nossos reclamaram. Aproveitaram a deixa para lembrar “o fascínio de João Paulo II”. Preferi não me pronunciar. Confesso, porém, que não senti a mesma comoção da vez anterior. Mas, dei lá um desconto e confessei aos botões do meu sobretudo: Mudou o papa. Mas, eu também mudei.

Sei lá o porquê. Mas, me senti em estado de graça e lembrei daquele gol de falta que fiz no mais antigo dos anos. Sorri ao rever o tanto de bolas perdidas que, depois disso, venho chutando vida afora. Mesmo assim estou vivo. E são e salvo e forte. Se Deus é por nós, quem será contra?

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