— Sou de maio de 17. Dia 8, quase sou do século 19.
O Velho Aldo, meu pai, era homem de poucas palavras (mas, de sorriso cativante). Tinha lá suas convicções, e crenças. Benzia-se seguidamente, por três vezes, antes de deitar. Mas, não era lá de se vangloriar disso ou daquilo.
Achava que o mais importante da vida era viver.
Certa vez, lembro-me bem, ele pagou duas vezes o mesmo imposto ao dono da casa onde morávamos de aluguel. Estávamos de mudança e o avarento locador se fez de bobo, insistiu que havia o débito do IPTU daquele ano.
O pai não guardara os recibos do pagamento e tentou convencê-lo de que estava tudo em dia. Diante da insistência malandra do homem, o Velho Aldo sacou alguns trocados do bolso e fez o pagório, ali mesmo, na minha frente.
À saída, eu o recriminei.
– Puxa, pai, o cara foi bem malandro. Não devia ter pago.
– Bobagem, rapaz, não vou ficar mais pobre por isso. Nem ele vai ficar mais rico do que é. Estou com a consciência tranquila. Agora ele…
II.
Homem simples, nascido e criado na República Federativa do Cambuci, o Velho Aldo parecia não ter outra ambição senão a de criar os filhos e ter o suficiente para viver uma vidinha normal. Sem luxo, mas repleta de diversão.
Foi um valente center-forward do Atlantic e do 1º de Maio nos tempos da APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), quando o futebol apenas engatinhava. Mas, vou lhes dizer com sinceridade, o esporte preferido do Aldão era mesmo o turfe. Adorava ir ao Jóckey fazer uma fezinha nas patas dos pangarés e, ali, sou testemunha, sua aura resplandecia. Ganhasse (o que raramente acontecia) ou perdesse, a festa era a mesma.
III.
Trabalhou quase toda sua vida. Foi crupiê das Casas Lopes (até que o jogo foi proibido), carregador de rolos de pano, representante comercial e uma espécie de “faz-tudo” no escritório da Vetorazzo Tecidos. Mesmo aposentado, trabalhou por vários anos como balconista na loja de tecidos do tio Antenor, no Ipiranga.
Quando não pode mais trabalhar (problemas no coração), o Calabrês veio morar em São Bernardo do Campo para ficar perto do neto caçula (o meu filho acabara de nascer) e dar uma força para o filhão (eu mesmo).
A partir daí, escreveu um novo capítulo na sua branda história…
Passava o dia na esquina da Oragnoff com a Álvaro Guimarães, no bairro do Planalto. Caminhava entre a padaria e a banca de jornal, proseando com Deus e o mundo que se dispusesse a discutir o noticiário do dia, a falar do Palmeiras, a comentar sobre as moças bonitas que passavam.
O pai era um galanteador, de nascença.
IV.
Um ano após a sua morte (em 1º de setembro de 1999), fomos eu e minha mãe até a igreja São Judas, no bairro, para pedir que se rezasse uma missa pela alma do pai.
Assim que nos viu, o sacristão foi logo nos tranquilizando.
– A missa será manhã às 19 horas. Rezaremos em memória do seu Aldo.
– Como vocês se lembraram? – a mãe perguntou.
E o senhor com uma expressão marota respondeu:
– Não para de vir… pessoas aqui pedindo uma missa em intenção a sua alma. Ele era muito querido aqui no bairro.
A mãe não gostou nada dessas pessoas apressadinhas. Saiu de lá bem desconfiada…
V.
Escrevi muitas crônicas tendo o pai como personagem central. No Blog e nos livros. Vou citar três delas:
+ Oração do Homem Comum (21.12.2001)
+ Meu Periquitinho Verde (30.03.2007)
+ Pai, 90 anos (08.05.2007)
Fiquem à vontade para conferir um pouco mais do meu saudoso pai, Aldo Martino, que nos abençoe hoje e sempre… Saudades.