Vira e mexe acontece. Reaparece em meus sonhos a casa da rua Muniz de Souza.
Era a de número 420. Com dois janelões para a calçada, o assoalho de tábuas onde fazíamos acirradas partidas de futebol de botão, o fogão a gás de rua, a mobília pesada e escura, o quadro do Sagrado Coração de Jesus na parede da sala.
Não ficava longe da casa da vó Inês e do vô Carlito, na rua do Lavapés.
O pai trabalhava mais perto ainda, na Vetorazzo Indústria Têxtil, na Justino de Azevedo.
Era divertido esperá-lo na calçada, chutando bola de meia com os amigos. Nem tirávamos o uniforme da escola.
Ele almoçava em casa todos os dias.
E trazia o Diário da Noite, dobrado em quatro.
Era quase um ritual.
Assim que abria a porta, ele gritava para a “patroa”.
— Ta pronta a bóia, Landa?
E todos íamos à mesa que, se não era farta, também nunca nos faltou.
Um banco de madeira acomodava os três filhos.
Antes de voltar ao batente, o pai tirava uma “pestana”. Coisa de meia-hora, se tanto.
Eu aproveitava para recolher as folhas soltas do jornal e ler a coluna As 20 Notícias, do Antônio Guzman, com as novidades do mundo da bola.
Não tenho certeza, mas desconfio que veio daí a idéia de ser jornalista.
Fizeram um reparo nas galerias da rua, e aí, a cada chuva, inundava tudo por ali.
Pegamos duas enchentes brabas.
A mãe ficava “doente de nervoso” bastava o céu escurecer.
Mudamos tempos depois.
Morei em outras casas, em outros bairros e cidades.
Viajei, andei por esse mundão de meu Deus, em sonhos e na vida real. Parece até que vivi outras vidas. Mas, sempre que retorno a sensação que tenho é a de voltar para a casa da minha infância.