Tinha um boné de Cuba.
Não me perguntem como conseguiu a preciosidade. Se foi no camelô da esquina ou alguém lhe trouxe como presente de viagem.
Sei que Simeão adorava o adereço.
Fosse onde fosse, lá ia ele com o indefectível boné.
Era preto, de aba vermelha, com uma bandeira do País bordada na parte da frente e escrito Cuba em um dos lados.
Simeão o adorava.
Tanto que, a partir dele, tomou gosto pelas coisas da Ilha. Leu o livro de Fernando Moraes e as obras de Hemingway, cortou sua assinatura de O Estado de S. Paulo, passou a ouvir rumba e “Guatanamera”, tornou-se um exímio bailarino de salsa e, acreditem, um fanático defensor do regime socialista.
Como resultado de todas essas mudanças: ganhou o apelido de Cubano e algumas dores de cabeça.
Hão de convir com este modesto escriba que não é fácil para “um cubano da gema”, como Simeão, viver em um país capitalista como o nosso em plena euforia da emergente classe C. Valha-nos Deus!
Ops…
Para ele, religião também estava fora de cogitação.
“É instrumento de controle e manipulação das massas”, dizia em seus arroubos castritas.
Simeão também não tinha com quem discutir beisebol e boxe. Todos ao redor só falavam de futebol. E todos se incomodavam quando ele se punha a fumar charutos…
Enfim, restava-lhe o Google e os mojitos (que ele próprio preparava) para abrandar a saudade da terra que sequer conhecia, mas amava despudoradamente.
Comovidos com tamanho sentimento, os amigos resolveram cotizar-se para propiciar uma viagem “de uma semana que fosse” para que Simeão finalmente conhecesse o lugar de seus sonhos.
A princípio, ele relutou em aceitar o presente.
Alguém insistiu, com ironia:
— Deixe de bobagem, queremos nos livrar de você.
Outro preferiu ser mais realista:
— Vá ver, de perto, como é o tal paraíso socialista, vá…
Um terceiro contemporizou:
— Um amigo é para o outro. Você ama tanto essa ilha que é um dever da nossa amizade lhe ajudar na realização deste sonho.
Simeão resolveu aceitar. Tirou férias do emprego humilde de escriturário da repartição pública – e partiu.
Nunca mais, naquele boteco chinfrim em que nos reuníamos, na esquina da rua Bom Pastor com a rua Grenfeeld, onde o Sacomã torce o rabo e o ônibus Fábrica-Pinheiros bufafa e rangia ao fazer a curva tivemos notícia de Simeão, o Cubano de araque.
Tempos depois, alguém chegou com o cartão postal e a notícia.
(Não havia facebook à época.)
No ala de embarque do aeroporto de Guarulhos, o Cubano conhecera Nancy, um pitéu de americanazinha; cabelos loiros, olhos claros e uma deliciosa comissão de frente. De imediato, virou a chavinha dos sonhos possíveis e realizáveis.
Não me perguntem em que idioma conversaram e se entenderam. Hoje, ele mora em Miami, atende pelo nome de Silva, e é guia de compras para brasileiros desesperados que vão gastar os tubos na cidade.
Está feliz pra caramba, cada vez mais apaixonado por Nancy.
Além do que, trocou o boné por um vistoso chapéu panamá.