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O dilema do amigo Poeta

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Foto: portal das fitinhas em frente à igreja de Arraial D’Ajuda/ Arquivo Pessoal

Bem que eu gostaria de saber o que certas pessoas têm na cabeça…

Me acompanhem nessa historinha.

Marquei de rever o amigo Poeta na manhã de ontem.

Não nos vemos desde tempos pré-pandêmicos e mais alguns tralalá de meses e dias.

Acertamos um cafe pela manhã, aqui, numa padaria_gourmet perto do apartamento onde moro.

Um encontro casual para lembrarmos o tempo da universidade e falarmos de amenidades.

Sem riscos, nem conflitos.

(Tanto anos que não o vejo. Vai que o figura virou adepto de algum homem-bomba que anda solto por aí nesse período pré-eleitoral.)

Mal nos cumprimentamos à chegada, e o Poeta me saiu com essa pérola:

“Ando deprê. Fiz tudo errado na vida, meu caro”.

“Vixi, por onde esse homem andou nesse tempo todo” – pensei cá comigo, mas me fiz de rogado.

Ele que se explicasse, se assim bem entendesse.

“Vontade de cair no mundo, mermão ”, continuou.

Eu sorri como a lhe dizer:

“Calma lá, os tempos são outros, camarada”.

Tão outros que nem se ouve mais a expressão ‘camarada’.

Desconfio que me entendeu – ou ficou perto disso, pois foi logo se explicando:

“A vida não se resume a pagar as contas no fim do mês”.

Achei que forçou um pouco na alegoria, mas não quero criar juízo de valor sobre o desabafo do amigo.

Ele completou:

“Sem aventura, a gente não vive, vegeta”.

Uia. Anos 70, na veia.

O Poeta estava mesmo entediado, mas o que podia eu fazer?

O máximo que consegui não foi além de um murmúrio:

“Deixa disso, rapaz”.

Foi o suficiente para ele lembrar o tempo (ano e meio) que morou em Arraial D’Ajuda, na Bahia, perto de Porto Seguro. Alugou uma casinha modesta perto da igrejinha, vivia de bicos como guia de turistas, não lhe faltavam alguns trocados para tocar a vida ‘de boa’ e se divertir com as canções que vinham gratuitamente dos bares e becos.

“Cara, eu era dono do meu tempo, senhor das minhas vontades, livre. Sabe como é?”

Pronto.

Sobrou pra mim.

Um meneio de cabeça foi a minha resposta. Nem sim, nem não.

Achei de bom tom lhe oferecer outra xícara de café.

Ele rejeitou.

Talvez o Poeta, mesmo àquela hora da manhã, se imaginasse à mesa de um boteco qualquer, naqueles idos e vividos tempos.

Logo engatou outra reminiscência de quando “era feliz e não sabia”.

“Houve época em que trabalhei como balconista em uma loja de disco, só para ouvir música o dia todo e conversar com as pessoas. Sabia que as pessoas mudam de astral quando entravam numa loja de disco e manuseavam aqueles vinis?

Não fazia e não faço a menor ideia.

Nunca havia pensado nisso.

“Deve ser legal mesmo” – disse quase sem pensar no que dizia.

E, antes mesmo que o Poeta engatasse as lorotas do período em que fez um ‘mochilão’ pelos países da Europa, tomei coragem e perguntei:

“Cara, corre atrás. Só se vive uma vez. Por que você não larga tudo e se propõe a outra aventura? Dizem que Puerto Escondido, no México, é uma cidade lindíssima, com um pessoal descolado, mar, sol. Coragem, irmão!”

O Poeta (que de Poeta só tem a fama, o apelido e a pose de falador) arregalou os olhos, como se despertasse de um sono profundo e reparador.

Fez cara de sonhador, e sacramentou:

“Puxa! Valeu, cara, valeu! Sabia que você me entendera. Que ideia! Assim que acabar de pagar o meu BMW vou pensar na possibilidade. Valeu mesmo!”

Ainda nenhum comentário.

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