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O espelho

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Foto: Jô Rabelo

Contava-lhe…

Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei… Explico-lhe: dois espelhos – um de parede, outro de porta lateral, aberta em ângulo propício – faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, esvapor. E era – logo descobri… era eu, mesmo! O senhor acha que algum dia ia esquecer essa revelação?

Desde aí, comecei a procurar-me – ao eu por detrás de mim – à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio.

Isso, que se saiba, antes ninguém tentara.

* Trecho do conto O Espelho, de João Guimarães Rosa (1908/1967), que faz parte da coletânea Primeiras Estórias, publicada originalmente em 1962. Trata-se de um livro a comprovar a maturidade e o estilo único, repleto de nuances e brasilidades, do autor.

São 21 histórias que nos levam, ao espanto, para as miudezas dos grotões das Minas Gerais.

Esse conto, que tem lá um tom sombrio e, diria à moda Guimarães, de alto estouvamento, me fez lembrar os tempos de menino, garotão de tudo.

Permitam-me a digressão…

Acompanhava a mãe e as irmãs (eu era o caçula da família) numa loja de departamentos, então tão em voga, para supostas compras do que seriam nossos presentes de Natal.

Mesbla, Clipper, Mappin, Sears – não lembro qual.

Lembro, sim, que a tantas horas precisei ir ao banheiro e lá me surpreenderam paredes cobertas de espelhos que, justapostos estes de tal maneira, refletiam minha imagem ao infinito e de ângulos diversos.

Algo assim, como o susto que levou o personagem do conto, levei eu num primeiro momento.

Única diferença que, passado alguns instantes, dei de brincar com o fenômeno e me pus a fazer caretas e caretas, gestos e mais gestos, os mais desarvorados, simplesmente para vê-los repetidos pelos mil e um garotos desvairados a refletir naquele jogo de espelho.

Contei a descoberta para a mãe como algo transcendente e inusitado que me havia ocorrido.

Igual à famosa Sala de Espelhos que havia no Parque Shangai, na Baixada do Glicério.

Dona Yolanda simplesmente deu de ombros.

E vaticinou em tom de pilhéria:

“Vou encomendar ao Papai Noel um jogo de espelhos para você brincar à vontade”.

Desconversei logo – e insisti na minha pedida original.

“Nada de espelhos. Prefiro o trenzinho elétrico como combinamos antes”.

Ainda nenhum comentário.

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