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O homem que só dizia tá

"Tudo certo como dois e dois são cinco" (Caetano Velloso)

— Tá tudo certo, com você? Tá. Tudo certo. Como foi lá na cabine indevassável? Votou no homem? Tá. Votei… Ele não teve coragem de dizer o contrário ao amigo. A bem da verdade, nem sabia ao certo porque agira assim. Ele com ele, diante da urna eletrônica, não vacilou. Digitou o número do candidato de Oposição. Lembrou que houve um tempo no Pais que se grafava Oposição com letra maiúscula, tempo das Diretas-Já, da redemocratização, da Nova República. Tempo em que era possível sonhar. Mas, não foi por isso que votou contra quando a imensa maioria, devidamente insuflada pela mídia, se mostrava simpática à reeleição. Mesmo com seu jeitão simples de dizer tá bom para tudo, sabia que havia algo de inconsistente na suposta verdade absoluta.

Não queria polemizar tá certo? Mas o que via nos noticiários da TV, o que lia nos jornais, o que diziam os pronunciamentos oficiais, nada disso batia com a voz rouca das ruas, com o que sentia andando pelas esquinas de uma cidade nervosa chamada São Paulo. Vai daí que estava convencido: o caminho não era esse. Sabia-se um tanto tosco nas questões da política. O compadre podia saber até mais que ele. Mas, na hora do voto, nem pestanejou. Foi de Oposição mesmo antevendo a derrota no primeiro turno.

O Brasil tem jeito. Tá. Mas, não do jeito que tá — confabulou aos seus botões.
Não é hora de polemizar. O amigo pensa de um jeito — e eu de outro. Aliás, muito mais gente acha o que ele acha. Mas, na hora do voto, e cada um por si e Deus por nós, tá. Antes do dia das eleições chegaram a discutir feio. O amigo usava todos os argumento para lhe convencer da necessidade de se preservar o Real como moeda forte, da importância do Brasil se incluir entre as nações do primeiro mundo, que a globalização era uma conquista — e ponto. Aos poucos, essa grande marcha se espalharia pelos quatro cantos do País e os brasileiros, todos eles, teriam acesso às benesses do mundo contemporâneo. E seguia falando, e meio que atordoado ele respondia: Tá, tá, tá, tá…

Mas, ainda acho que o povo tá sofrendo demais. Vão devia ser assim. Se o cidadão é eleito pra cuidar da gente, é com a gente que ele deve se preocupar em primeiro lugar. É ou não é? Tá ou não tá? O compadre não concordava e dava a réplica, a tréplica e por aí seguia até acabar o fôlego. Com o último arzinho que lhe restava nos pulmões, resmungava: E pare de falar tá. Homem. Tá bom, mas vamos mudar de assunto, tá.

Agora, com a roda-viva de incertezas descendo ladeira, preferia não questionar o amigo, por si só triste pois acabara de perder o emprego. Os índices de violência batendo recordes, as chuvas alagando as marginais e parando a maior cidade do País, o caos do serviço público, as empresas e o comércio fechando as portas, o desemprego, o dólar na casa dos 2 reais, a inflação comendo pelas beiradas, nada disso fazia bem a sua alma.

É, aí vem o arrocho e o salve-se quem puder. Olhava o flanelinha empenhado em arranjar uns trocos no cruzamento. O garoto de movimentos espertos singrava por entre os carros parados e abordava os motoristas que, assustados, tratavam de fechar o vidro e ignorá-lo. Tinha uma expressão de desapontamento o garoto, de 12 anos quando muito. A mesma que hoje seu rosto vincado revelava: serão necessárias muita paciência e uma dose cavalar de criatividade pra virar esse jogo, tá. Foi nesse momento que apareceu o repórter para lhe perguntar se o País tinha jeito. Tá, tem, quer dizer, não sei… E preciso acreditar no amanhã, tá, mesmo sem ter nada em mãos que nos permita acreditar. De resto, é escolher melhor nossos governantes, distinguir entre o falso e o verdadeiro, tá. Acho que na vida, de repente, tudo é assim, tá. Só isso? E (apontando o flanelinha) o que senhor acha do menor abandonado? O que eu acho? Bem, eu acho que todo garoto triste parece um pouco comigo, tá. Hoje pelo menos, tá. Houve época que não era assim, tá.