Então, os amigos deixaram para trás
a pacata aldeia, onde sempre viveram.
À luz daquela manhã, andavam,
sem rumo, pelos nortes da Toscana.
Há dias faziam o périplo da Palavra,
pois era essa a missão de ambos
por conta de um deles. Francisco,
o iluminado, abrira mão da fortuna
paterna, dos títulos de nobreza.
Descobrira a verdade,
o caminho e o amor.
A verdade trazia no coração – e nos atos.
O caminho fazia a cada passo.
Sem hora para partir, sem hora para chegar.
O amor revelava-se na Palavra e na Fé…
II.
Ao descobrir-se Luz, impregnou
de clarividência um grupo de amigos
que resolveu acompanhá-lo.
Fizeram-se assim por conta e risco
discípulos. E entregaram-se à Obra…
A Obra começou entre os montes
e vales da própria aldeia. Entre os próximos
— os humildes, os rotos, os doentes.
E quem mais chegasse.
Os animais, inclusive.
O Iluminado parecia exercer
domínio sobre pássaros e lobos.
Não havia dúvida.
Vivia ali um santo homem.
III.
Logo a fama do mítico espalhou-se
como a canção do vento.
Francisco entendeu mais este chamado.
Outros mais queriam ouvi-lo.
Pois, então…
Dividiu os discípulos em duplas,
e todos partiram sem rota definida.
Mas, com a mesma Missão…
IV.
Apenas Clara e algumas amigas ficaram.
Cuidariam do cotidiano da Obra,
no lugar de construções ocres.
Afinal, fora ali que tudo começou…
V.
Coube ao discípulo Maceu acompanhar Francisco.
Por isso, agora estavam ali no caminho.
Era um bom homem; porém com
o pecadilho da vaidade. Que,
em essência e sem extremos,
nem pecado chega a ser.
Ali, ao lado do Iluminado, Maceu
sentia-se grande. Um tanto
acima do homem comum.
Estrada afora, ia o coração
a lhe estufar o peito…
VI.
Até que, em certo momento,
o caminho se bifurcou.
Qual direção seguir, perguntou.
— Não sei, retrucou Francisco.
Disse mais:
— Gire em torno de si, amigo.
Como se fosse um peão. Faça de
conta que é criança. Rode, rode até
não poder mais. Como um bambino…
VII.
Maceu assustou-se.
O Iluminado a lhe propor isso?
Porém, não soube como negar.
Então, abriu os braços e girou,
girou, girou. Como se fosse
um peão, um bambino feliz.
O hábito marron enchera-se de ar.
E não é que lhe dava mesmo
as formas ovaladas do brinquedo!
VIII.
Logo veio a tontura, o topor.
Esqueceu que outros caminhantes
o olhavam admirados.
Todos riam dele. Logo veio
o riso solto pra ele também.
Sem noção de tempo, espaço.
Estava prestes a cair quando ouviu a sentença.
— Deixe-se tombar ao chão.
Para onde o seu olhar apontar, seguiremos.
Esta será a vontade do Senhor.
IX.
Assim se fez…
E os amigos seguiram.
Chegaram a Siena onde dois exércitos
preparavam uma batalha sem fim.
A presença dos missionários, porém,
dissipou as desavenças. Desarmou
os espíritos. Não houve luta, nem mortes.
Queriam apenas estar com
Francisco de Assis, o Iluminado.
Que, ao seguir a vontade do Senhor,
acabou por salvar muitas vidas.
* (Padroeiro da Itália, São Francisco de Assis nasceu em 1181 e morreu em 1226. Todos os anos, sua memória e seus feitos são reverenciados no dia 4 de outubro.)