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O que o tempo leva… (30)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)

 

POIS NÃO É que o Filósofo está de volta! E reencontra o amigo, amigão mesmo, o Bosco. Nada a temer senão o correr da vida…

 

O ônibus faz uma curva, outra e …

Felisberto levanta-se. Acomoda-se na primeira poltrona, agora livre. Já pode ver as luzes, de um amarelo esmaecido, cor de ouro velho, que iluminam à placa com a indicação:

Perímetro Urbano. São José do Barreiro.

Sente-se em casa.

“Pois não é que voltei mesmo!”

Alguns minutos depois, está na praça do vilarejo de pouco mais que 4 mil habitantes. Não há estação rodoviária, acredite se quiser. O ponto de parada (embarque e desembarque) é em frente ao bar que, aliás, permanece igualzinho aos tempos de rapazola. Só que agora exibe um letreiro luminoso com a nova denominação: Bet’s Bar.

“Bonito, é a modernidade!”

Da janela, olha o movimento apesar do horário. Tem uma garotada com jeito de cidade grande. Sempre foi esse rebuliço. Em tempos de férias escolares ou fim de semana prolongado, junta gente de São Paulo, Rio, Minas para aproveitar a tranquilidade e os encantos da região.

Aliás, lembra Felisberto, é uma cidade bem charmosa aos pés dos morros da Bocaina, a decantada Serra da Bocaina que tem sua beleza preservada por decreto federal entre a cordilheira da Mantiqueira e a Serra do Mar.

Aprendeu tudo direitinho com o professor Cassemiro (assim mesmo com ss) e nunca mais esqueceu.

“É lá que se situa o Parque Nacional da Bocaina, com cachoeiras, fauna, flora que atraem turistas de todo o mundo”.

Falou e disse, o professor.

Olha mais atentamente, e reconhece o Bosco, um amigo de infância.

Será?

A expressão de menino indolente (apesar da barba rala que agora exibe), o corpo atarracado…

Será que está no delírio de novo. Vendo coisa que não existe.

Arriscou.

Num impulso, pegou as tralhas e desceu.

Dane-se.

É o amigo, amigão mesmo. Não os tratantes que deixou em São Paulo.

Rever Bosco só pode lhe fazer bem.

Aquele Felisberto de ontem não existe mais. Define-se como um novo homem apesar dos desaforos que traz no peito e a velha bota de couro fajuto de cobra, resquícios de um tempo que agora quer esquecer.

Um bom momento para estrear o chapelão de cowboy.

Nada a temer senão o correr da vida.

Paramentado do jeito que estava, convenhamos, normal que demorasse alguns segundos para o amigo reconhecê-lo.

Bosco fica visivelmente feliz quando identifica Felisberto, dos tempos de infância.

Lembra que ele, Felisberto, colecionava frases bonitas num caderninho – e as recitava na aula de Oratória.

– Há quanto tempo foi isso, meu Deus?

30, 35 anos.

– Não pode ser. Tanto tempo.

Felisberto, por sua vez, recordou a expressão de felicidade do próprio pai (Que Deus o tenha!) quando chegou em casa com a notícia: havia arrumado uma função como caseiro numa bela chácara lá para os lados do Morro Frio. A vida andava sofrida que só em Bananal. E assim toda a família mudou-se para a cidade vizinha, de São José de Barreiro.

Foram oito anos, se tanto.

Depois Felisberto fez o trajeto que todo jovem da região faz. Morou um tempo em Guaratinguetá e, dali, para Capital logo depois que o pai morreu.

–  Por onde você andou esse tempo todo, rapaz?

– Por aí, por aí, simplificou Felisberto.

– E o seu pessoal? Tá sozinho? Veio ver a família?

– Olha que nem eu sei. Até agorinha pouco vou lhe dizer que estava só e mal acompanhado.

– Já vi que continua colecionando tiradas de efeitos. Eis que o nosso Filósofo está de volta, então? Quem diria?

Felisberto, já devidamente reempossado como ‘o Filósofo das frases bonitas’, apelido que ganhara quando garoto, pensava numa daquelas bem bonitas para assegurar uma boa entrada em cena.

Mas, de súbito, fica pálido, emudece.

Antes que Bosco possa entender o que se passa, vem a pergunta:

– De quem é aquele Fuscão?

Pode parecer inacreditável, recurso de novela mesmo, mas Felisberto está diante do carro que foi de Lucilinda. Verde, placas, AT 4558, de São Paulo ainda. Ali, parado a meio fio, o abusado parece estar à sua espera. Ao seu alcance.

Será que a dona caiu em  si e despencou, estrada afora, atrás dele?

Reviravoltas no jogo do amor?

Larga o amigo falando sozinho, e vai certificar-se de que não, não, está delirando.

Confere o vidro traseiro – e não tem mais qualquer dúvida.

Lá sobrevivem as marcas – não, as de um coração arrebentado, mas da cola do adesivo do São Paulo Futebol Clube que ele próprio (até então um fanático palmeirense) ajudou Lucilinda a pregar bem no centro.

Uma homenagem ao Tricolor de Raí, a quem ela “amava de paixão”.

Desde esse dia, Felisberto (quanta ingenuidade!) virou bandeira. Fez picadinho do pôster do Ademir da Guia. Uma heresia. Mas, o amor valia qualquer barganha, qualquer sacrifício (quase foi preso por amar demais) e, a partir de então, se disse são-paulino desde criancinha.

Ai de quem tocasse nesse assunto futebolístico, com alguma suspeita!

Pensando bem, e diante das circunstâncias, poderia voltar a ser palmeirense. Nada impede.

Resolve deixar para depois a reflexão sobre tão palpitante tema.

Agora, quer desvendar o mistério do Fuscão Verde, ano 1971.

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