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O que o tempo leva… (31)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Arquivo Pessoal)

 

FILOSOFAR de Felisberto, o menino crescido: nunca precisou de nada além do pouco que possuía. A cidade grande que o fez triste…

 

De ilusão, meu caro Felisberto, não mais se vive.

Anote mais essa no caderninho de frases e pensamentos.

Bosco, o amigão, vem em socorro – e desfaz qualquer equívoco.

O valente Fuscão é de um amigo, o Percival. Comprou numa feira de automóveis no Anhembi, em São Paulo, de um senhor falador metido a fazer piadinha. Pagou uma bagatela, 0 cidadão estava com pressa de se livrar do carango, mas Perci não está satisfeito.

O bicho é beberrão. Gasta muita gasolina:

– Ainda se fosse a álcool, vá lá!, diz Bosco.

– Nos derivados de cana, a preferência é do motorista, rebate Perci.

Nada como estar na própria terrinha.

Vinte minutos depois, lá se vão as economias de Felisberto e parte da indenização que ainda nem chegou a cair na conta.

O Fuscão Verde 71 é de Felisberto, ponto de partida para nova vida e novas emoções.

Ah, danado!

De chapelão, bota de couro de cobra e Fuscão que Felisberto reencarna o Filósofo e chega na manhã seguinte na casa da mãe.

Não lhe trouxe qualquer lembrancinha como das vezes anteriores. Mas, se justifica: viveu uns mal-entendidos na cidade grande – e preferiu voltar, assim, no estalo.

– O bom filho a casa torna, não é não?

Dona Eulália se surpreende com o inesperado da aparição.

Continua o mesmo menino crescido, pensa a mãe.

Agora estava ali à sua frente, dono de um automóvel barulhento, uma mala disforme com alça e de pano, todo amarfanhado. Mas, o que lhe chama mesmo a atenção é a expressão no rosto, de uma alegria tristonha, típica de quem quer esquecer o passado e, se possível, voltar a sorrir.

Respeitoso como sempre foi, Felisberto pede bênção e, antes que se lhe faça qualquer pergunta, responde as inquietações que afligem o coração materno:

– Cansei da cidade grande. Aquele não é o meu lugar. Muita hipocrisia, muita falsidade. Quero me ajustar por aqui.

– Pois veja só… Tinha a certeza que estava tudo às mil maravilhas. Jurava que não poria os pés por aqui tão cedo.

– Estou pensando em descansar alguns dias e depois vou ver o que faço da vida. Tem lugar pra mais um?

O ranchinho se espalha num terreno inclinado, até que de tamanho razoável. Uns 10 por 20.

A casa, no entanto, meio de pau-a-pique, meio de alvenaria, continua acanhada. Especialmente porque Dona Eulália mora com o outro filho, a nora e dois netos pequenos.

Mesmo assim, não há como deixar o filho sem abrigo.

– Vou lhe ajeitar um lugar pra dormir. Por enquanto, guardo seus trecos no meu quartinho.

Logo o cheiro forte de café quente faz Felisberto puxar pelas lembranças de idas e vividas épocas. Apesar da pobreza, sempre foi um menino feliz. Afeito às pequenas aventuras de garoto num lugar onde a natureza é dominante,  sinceramente levou um bom tempo até ser capaz de distinguir entre quem tem e quem não tem grana.

Estudou em escola pública como todo mundo ali. Andou a cavalo, nadou no ribeirão, apanhou a frutaiada toda no pé, chutou bola descalço pelos campinhos improvisados entre sítios e fazendas.

Que se lembre agora, nunca precisou de nada além do pouco que possuía.

Conclusão.

A cidade grande que o fez triste.

A propósito, tinha plena convicção: o desalinho da cidade grande fez com que ela não entendesse o tamanho do amor que ele, Felisberto, lhe dedicou.

Ela também cometeu um tremendo e lamentável engano ao trocá-lo por aquele lá.

É isso. Está mais do que explicado.

Melhor não pensar. Nunca mais.

Esquecer que uma tal de… (como é o nome mesmo?) existe, eis o desafio.

Será que consegue?

“Todo o adeus é uma nova chance de partir e chegar.”

(Correu anotar a frase no caderninho.)

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