Foto: Reprodução
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Há um belíssimo texto sobre o cantor/compositor Cassiano no UOL.
É de autoria do colunista Pedro Antunes.
Com maestria, Antunes (a quem não conheço pessoalmente, só pelo que ele tão bem escreve) faz um detalhado arrazoado da carreira deste paraibano de 77 anos que morreu, na sexta (dia 7), no Rio de Janeiro.
O título é perfeito;
Cassiano, o gigante do soul brasileiro que quis ser esquecido, mas não foi…
Leiam AQUI!
Recomendo!
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Por duas ou três vezes, fui convidado pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo a coordenar um workshop sobre Música Popular Brasileira para incautos espectadores.
Por seis semanas, nas manhãs de sábado, ali nos reuníamos a traçar um painel do nosso rico cancioneiro popular.
A turma tinha 20 alunos, interessados na MPB e no dito Jornalismo Cultural.
Para tais conversas, valia-me basicamente de minha experiência como repórter dos cadernos de variedades nos idos de 70, 80 e alguma coisa dos 90.
Entrevistei quase todos os nomes de relevância da MPB nesse tempo.
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Explico o contexto de tais entrevistas:
Havia três ou quatro ‘conferências de imprensa’ (designação solene que hoje se dá às coletivas onde jornalistas e afins se amontoam a esganiçar por esta ou aquela questão a ser respondida) por semana. Às vezes, mais…
Tais encontros propiciavam a chance do artista falar do seu trabalho e também divulgar eventuais lançamentos de discos ou mesmo os shows que fariam na cidade.
Vez ou outra, conseguíamos uma ‘exclusiva’, mas via de regra as coletivas prevaleciam – e, um pela outro, todos saíamos satisfeitos de tais conversas.
Havia sempre um momento, pós perguntas e respostas oficiais, para um papo mais descontraído entre repórteres e o artista. Momento em que algumas particularidades da vida pessoal, preferências ou mesmo divagações vinham à tona e, de de forma direta, nos enriqueciam ora como profissionais de imprensa ora como cidadãos.
Diria que era um aprendizado.
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Pois bem…
Desses encontros todos, reparei com que respeito muitos dos grandes e renomados artistas falavam do sumidiço Cassiano e sua obra ímpar, com raras exceções, pouco divulgada pelos meios de comunicação.
Djavan, Simoninha, Jair de Oliveira, Pedro Mariano, Cláudio Zoli, Nana Caymmi, Melodia, Erasmo, o grande Tim – eis alguns nomes que me vêm à mente assim de primeira.
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Eu ficava feliz quando ouvia essas referências.
Batiam inteiramente com meu gosto pessoal, e minha indignação:
Como um talento de tamanho porte não consegue chegar ao grande público?
Uma pergunta ainda hoje sem resposta.
Valeu tristemente para Cassiano.
Vale ainda hoje para outros tantos talentos que andam na lida por bares e becos da vida à revelia das imposições da indústria do showbiz local
Infelizmente é assim.
Temos a mais bela música popular, repleta de gêneros, estilos, ritmos e tendências, mas ouvimos o que há de pior.
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Feito o desabafo. Voltemos a Cassiano…
Suas canções sempre me encantaram.
Posso lhes garantir que os versos de A Lua e Eu me acompanham desde jovenzinho quando, sonhador e desconfiado, perscrutava o futuro e sempre que posso, acreditem!, volto a ouvi-los. Só que agora a memoriar os passos e a jornada.
Uma canção eterna, para constar em antologias na versão do próprio Caetano, com sensível arranjo, que é a definitiva.
Nada se compara!
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Pois então…
Naquelas manhãs de sábado, em uma aula ou outra, algum curioso fazia a pergunta de praxe:
– Professor, o Sr. já entrevistou Fulano? E Beltrano? Sicrano, também?
Para fazer um tipo e dar um tom solene à minha humilde performance como repórter, eu dizia:
– Só não entrevistei três grandes nomes da MPB?
Era inevitável o questionamento que se seguia:
– Quais?
E eu botava aquela banca – e citava:
Nara Leão, encantadora Nara que morreu precocemente aos 47 anos;
Chico Buarque, que deixou os repórteres esperando por horas na sede da Philips, enquanto assinava contrato com uma nova gravadora, a Ariola (Dizem que a ex_gravadora convocou a imprensa de propósito para sacanear Chico);
E Cassiano, que era avesso às entrevistas.
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Diante do espanto da turma, eu então mostrava uma cena do documentário Soul Sempre Soul, feito por um grupo de jovens estudantes de Jornalismo, que era bem emblemática:
Lá por meados dos anos 80, Cassiano foi flagrado por uma repórter (desconfio que da TV Globo) na cama de um hospital onde se recuperava de um grave problema de saúde (precisou extirpar um dos pulmões) e, mesmo assim fragilizado, não teve dúvida em declarar:
“Vale muito a pena ser compositor no Brasil. Nossa gente não tem quase nada na vida. Mas, as minhas canções nunca lhes faltarão.”
(As palavras não foram exatamente essas, mas o sentido sim.)
Todos se emocionavam – e se convenciam não só do talento único de Cassiano, mas também da enorme injustiça que se cometia em não lhe dar o espaço e o reconhecimento que merecia e merece.
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Pra terminar, uma raridade: outra das tantas lindas canções de Cassiano.
Esta gravada pelo então jovem e promissor talento Herondy Bueno (ele mesmo, aquele que anos depois formou dupla com a esposa Jane).
É uma das minhas preferidas – e desconfio que sequer o bom Pedro Antunes sabe de sua existência.
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Para sempre, Cassiano!
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O que você acha?