Foto: Gilberto Gil e Chico Buarque/Phono 73/Arquivo Polygran
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— Vamos ao que se pode…
A expressão do cantor e compositor Chico Buarque de Holanda ecoou pelo Palácio das Convenções do Anhembi, durante uma iniciativa da então gravadora Phonogran de reeditar os gloriosos tempos dos festivais. O evento chamou-se Phono 73 e, por iniciativa do superintendente-executivo, o mago André Midani, reuniu todo o milionário elenco da gravadora – além de Chico, Caetano, Gil, Elis, Vinicius, Nara Leão, Bethânia, Gal, Jair Rodrigues, Raul Seixas entre outros. Os artistas se apresentaram em duplas – por vezes, excêntricas como Caetano Veloso e Odair José, outras por afinidade como Ivan Lins e MPB-4, mas todas, todas mesmo com a proposta de surpreender a plateia.
A então MPB já não contava com a cumplicidade da televisão para catapultar os grandes nomes à popularidade que alcançaram nos feéricos anos 60. Por isso, Midani quis reviver ainda que, num breve fim de semana, os tempos idos e febris. Reviver o que se fez na Record e na Globo era uma forma desgastada. Por isso, tentou inovar e criou a história das duplas inusitadas, impensáveis.
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A partir dessa proposta, coube a Chico Buarque cantar a inédita “Cálice” com seu suposto ‘desafeto’ Gilberto Gil numa apresentação mais do que esperada. Por dois motivos. Primeiro porque havia aquela história do Festival da Record de 68. Gil estaria na platéia do Teatro Record a comandar o coro de vaias a Chico e MPB-4 que interpretavam a bem-comportada ‘Bem-Vinda’. Gil e Caetano participaram com a canção “É Proibido Proibir”, defendida pela explosiva Gal Costa. No livro “Verdade Tropical”, Caetano Veloso desfez esse equívoco. Mas, àquela época, a versão era de que Chico e os tropicalistas não se topavam. O segundo motivo era a apresentação de “Cálice”, música que, segundo comentários, havia escapado, sabe-se lá como, pela sanha dos censores federais.
Havia o frisson de testemunhar a mais esse ato de resistência.
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Chico cantou “Baioque” e, logo a seguir, chamou Gil ao palco. A platéia prendeu a respiração. Com ar de tranqüilidade, os músicos trocaram algumas palavras entre si – o que deu a entender era uma preparação especial para a canção da noite. De repente, antes do primeiro acorde, o teatro ficou às escuras e os artistas sem som no microfone.
A ação dos censores se fez presente a revelar o momento de obscurantismo em que vivíamos. Um súbito corte da rede elétrica deixou a platéia em pânico. E agora o que viria?
Diante da indignação dos músicos e para evitar o pior, Chico preferiu contemporizar. A voz do intérprete se faz ouvir, mesmo sem a amplitude das caixas de som.
— Vamos ao que se pode. Ao que se pode…
Luzes acesas. Microfones ligados.
E ele cantou a romântica “Noites dos Mascarados”.
— Quem é você… Adivinha se gosta de mim…
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Há 50 anos…
Tinha àquela época pouco mais de 20 anos – 22 para ser exato –, cursava uma faculdade de jornalismo e trazia meu alforje repleto de sonhos e cintilâncias.
Também havia espaço para dúvidas e incertezas. Angústias. Muitas. Todas. Sentimentos próprios a quem encerra um ciclo e prepara-se para enfrentar uma realidade que não conhece e lhe é imprevisível.
Creio que, mesmo neste ponto, não devo ter sido tão diferente do que vivem os jovens hoje?
Ou não…
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Estar ali no Anhembi me deu a dimensão do que seguiria vida afora.
Ser jornalista era a seta.
Trabalhar com música – e com música brasileira –, o alvo.
Não foi exatamente assim que se deu.
Mas, foi bem por aí. “Pelos arredores”, como diria o amigo Escova.
Nada reclamar.
É o passo que faz o caminho.
Não sou alegre. Não sou triste – sou o que se deu em cronista.
Observador de um tempo que se foi, e outro que se é. A almejar o que será. Aquele que propala a esperança. A ouvir velhas e novas canções que sugerem o sonhar, a utopia.
E vamos ao que se pode…
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O que você acha?