Ilustração: reprodução da capa do livro do cronista Paulo Mendes Campos/Arquivo
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“Vivemos tempos de estranhos fatos e estranhas pessoas.”
Escreve-me o jornalista e professor Jorge Tarquini a propósito do post/crônica de ontem – “A insensata declaração do governador”.
Foi o que bastou para que eu voltasse no tempo e fizesse uma pausa numa das tardes que se perdeu nos rodamoinhos do tempo. Óbvio que me revejo na Velha Redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor e rodeado daquela horda de amigos e malacabados como eu.
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Eu voltara, digamos que entusiasmado, da entrevista com o cantor/compositor Walter Franco (1945-2019), digno representante da então Vanguarda Maldita da MPB, que acabara de lançar o álbum Revolver (que à época eu, com pose de crítico musical, classifiquei como recheado de “finas especiarias”).
Franco era um autor minimalista, de letras breves e versos inusuais. Era o festejado autor da experimental ‘Cabeça’ que literalmente implodiu o FIC de 1972 e causou um grande auê junto à intelligentsia nativa. (O júri queria lhe dar o prêmio máximo, mas foi destituído pela Globo, orgnizadora do evento, para atender, dizem, a pressão dos censores de plantão (que não entendiam o enigma dos impolutos versos ‘Que é que você tem nessa cabeça, irmão/Cabeça pode/Cabeça explode/Ou não?).
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Pois bem.
Eram essas as referências que tinham dele meus colegas da Redação.
Na reunião de fechamento da edição do dia, tentei cavar um espaço na primeira página para dar bom destaque à leitura da reportagem que viria às tantas em uma das páginas internas do jornal.
Os gaiatos de plantão receberam, cúmplices e desconfiados, minha argumentação.
Percebi a cilada.
Pediram para olhar a capa do disco (Uma alegoria em tom verde à capa do álbum Abbey Road, com Franco, todo de branco, à la John Lennon, puxando uma suposta fila de outros tantos discípulos dos Beatles), folhearam o encarte com as letras das canções. Destacaram que uma delas tinha a tonitruante letra de uma só frase (“O sorriso do cachorro/ tá no rabo”) que se repetia e repetia em espiral sonora – e, por fim, deram o veredito em tom de provocação:
“Nada de primeira página”.
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Inevitável o deboche dos amigos. Diziam achar tudo muito estranho naquele artefato de vinil.
Eu, que bem os conhecia, fiquei na minha.
Seguimos a renião.
Passamos para outros assuntos e, ao final dos trabalhos, o Nasci, o mestre de todos nós e gozador por natureza, anunciou que ele também era compositor de vanguarda. Não, era ‘maldito’, mas era ‘vanguarda’, garantiu.
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Novidade!
Acabara de compor uma canção à moda do Walter Franco, inspirada – disse ele – num dos personagens que frenquentavam à Redação que se dizia poeta (queria a todo custo ver os próprios versos publicados no jornal em capítulos semanais). Seria oportuno, pretendia se candidatar a deputado estadual. (Na verdade, o amigo era gerente de banco, prestes a se aposentar).
“Querem ouvir?”, perguntou o Nasci.
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E se pôs a batucar ritmicamente, punho fechado a esmurrar o tampo da mesa de madeira (naquele tempo, os jornalistas trabalhavam em mesas próprias e não em bancadas e puxadinhos, todos aglomerados) e cantar repetidamente o mesmo verso:
“As pessoas são estranhas
Tão estranhas
Muito estranhas”.
Rimos muito e aplaudimos (eu, inclusive) a criatividade do amigo.
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Por fim, ganhei uma boa chamada na primeira página para a entrevista.
E o “Rap do Nasci” passou a ser o nosso bordão para tantas e tamanhas situações, à primeira vista, incompreensíveis e estranhas que se apresentavam diante nós.
“As pessoas são estranhas/tão estranhas/muito estranhas”…
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TRILHA SONORA
O álbum Revolver completa 50 anos.
Hoje, é um disco considerado precioso para os colecionadores e cultores da nossa música popular.
Tenho grandíssima admiração pelo obra de Walter Franco.
Recentemente escrevi sobre:
Para hoje escolhi a canção Mãe D’Água. É uma das minhas preferidas pelo lirismo e encaminhamento que dá às plavras. Ouçam!
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O que você acha?